Pio XII proclamou o dia primeiro de maio o dia de São José, o trabalhador

 

Quem foi São José? Como compreender essa figura no seu tempo, um homem judeu que acaba acolhendo uma mulher grávida?

Leonardo Boff – O José da história é um artesão, um pai, um esposo e um educador. Não sabemos suas origens. São Mateus diz que seu pai foi Jacó (Mt 1,16). São Lucas refere que foi Eli (Lc 3,23). Quer dizer, não o sabemos exatamente nem como foi seu fim. Apenas sabemos que ele não vem do mundo das letras (escribas), nem das leis (fariseus), da burocracia estatal (cobradores de impostos e os saduceus), nem da classe sacerdotal e levítica. Ele é um interiorano, morador de uma desconhecida vila, Nazaré. Chamar alguém de nazareno como a José e depois a Jesus equivalia a chamá-lo de “severino e pobretão” como aparece no evangelho de São João e que alguns renomados exegetas sustentam ser esta a interpretação correta no evangelho de São João.


Sua profissão é em grego tekton, nome genérico para alguém que trabalha a madeira, um carpinteiro multifuncional, pois construía casas, telhados, cangas, móveis, rodas, prateleiras, carros de boi. Sabia ainda trabalhar com pedras, construindo muros e sepulturas, e manejava o ferro para fazer enxadas, pás, pregos e grades. Jesus foi iniciado na profissão do pai, pois o chamam “o filho do carpinteiro” (Mt 13,55). Ninguém vivia só de uma profissão. Quase todos trabalhavam no campo, no cultivo de frutas e legumes, numa terra ainda hoje considerada das mais férteis do mundo. Também cuidava do pastoreio do gado, de cabras, de ovelhas e de gado. Tudo isso está implícito na profissão de Jesus como tékton, um factotum


O pai corajoso


Já nos referimos a José como pai e como esposo. É uma pessoa corajosa que assumiu uma jovem grávida e a levou para casa, sabe lá Deus os comentários da pequena vila onde todos sabem tudo de todos. Não o fez sem preocupação. E diz-se que era um “homem justo” (Mt 1,19a). Mas não é no sentido nosso, como aquele que dá o valor exato às pessoas e às coisas e que faz tudo direitinho. Biblicamente o justo é também isso, mas, principalmente, é uma pessoa piedosa. Essa vive a ordem do amor a Deus, às tradições do povo e frequenta a sinagoga semanalmente. Quem vive assim se transforma, biblicamente, num justo, vale dizer, uma pessoa que irradia socialmente e pelo exemplo se torna até uma liderança espiritual.


Esta atmosfera fez dele um educador especialmente do menino que crescia em sabedoria e graça. Iniciou-o nas tradições e festas do povo, como todo pai faz em qualquer lugar. Se Jesus na vida pública prega o amor incondicional e chama a Deus de “Abba” (paizinho querido), foi na carpintaria de José e junto com Maria que experimentou esta intimidade. Jesus viu essa atitude em seu pai e a assumiu como experiência típica sua.


Se Jesus na vida pública prega o amor incondicional e chama a Deus de “Abba” (paizinho querido), foi na carpintaria de José e junto com Maria que experimentou esta intimidade – Leonardo Boff 


IHU On-Line – Por que, nos Evangelhos e demais livros do Segundo Testamento, não se ouve a voz de José? Como podemos interpretar o silêncio de José?

Leonardo Boff – O silêncio de José não é nenhum mutismo de quem não tem nada a dizer. É um operário que fala pelas mãos e pelo exemplo (justo). Nem é absentismo de um alienado que não capta o que está se passando com ele. Ele sabe, como esposo, pai e educador, qual é a sua missão que importa cumprir. Está sempre presente quando se faz necessária a sua presença: na gravidez, no parto, na escolha do nome do bebê, na hora do batismo judaico (circuncisão), na fuga para o Egito, na definição do lugar onde morar, Nazaré, na iniciação de Jesus nas tradições religiosas de seu povo, indo ao templo aos 12 anos. Estas ações se expressam mais por gestos do que por palavras. Paul Claudel, que amava muito São José, por causa de seu silêncio, escreveu em 1934 a um amigo: “O silêncio é o pai da Palavra. Aí em Nazaré há somente três pessoas muito pobres que simplesmente se amam. São aqueles que irão mudar o rosto da Terra”.


O silêncio de José representa o nosso cotidiano. Grande parte de nossa vida acontece no seio da família e no trabalho. Logicamente há palavras demais. Mas quando temos que ouvir o outro silenciamos. Quando trabalhamos não conversamos nem discutimos. O trabalho só será bem feito quando nos concentramos, silenciosamente. Possuímos também nosso mundo interior, nossos sonhos, nossas perguntas e preocupações. É silenciando que vemos melhor e escutamos o chamado do coração e nascem visões que dão sentido à vida e nos alimentam a esperança. Não foi diferente com o pai e trabalhador José.

 

Os sonhos de José


Mas há uma razão mais profunda que cabe à teologia investigar. O Pai eterno é o mistério absoluto para o qual não há palavras. Ele não fala. Quem fala é o Filho. Mas como disse Jesus, que seu Pai trabalha e ele também. O inefável se expressa pelo mais profundo que existe em nós que é, segundo psicólogos como C. G. Jung, o inconsciente universal. Sua forma preferida de comunicação é através dos sonhos e dos Grandes Sonhos. Este os teve José de Nazaré. É a morada do mistério, do Pai do Filho na força do Espírito.


Ora, São José não fala porque é o portador deste mistério abissal no qual o Pai habita. José se faz a pessoa que apresenta, pelo seu silêncio, o mistério do Pai. Ele acaba sendo a sombra do Pai, a própria personificação terrestre do Pai celeste. Este é o sentido secreto do silêncio de José adequado ao mistério que pede o silêncio reverente porque nenhuma palavra o poderá exprimir.


IHU On-Line – Uma das cenas mais comoventes da natividade é a jornada de José e Maria a Belém. Como o senhor interpreta essa passagem? Quais as questões de fundo presentes ali e que normalmente são apagadas?


Leonardo Boff – Essa jornada de Nazaré até Belém deve ser corretamente interpretada. O imperador César Augusto decretou a realização de um recenseamento. A finalidade não era simplesmente saber quantos habitantes havia no Império, mas estabelecer um imposto por cabeça. Este imposto anual era para manter a infraestrutura de sacrifícios ao Imperador que se apresentava como Deus. Os judeus não podiam aceitar semelhante blasfêmia, pois implicava reconhecer um Deus que não era o único verdadeiro, Javé.


Por isso houve muitas revoltas e a última, no ano 67, que significou a total dizimação do povo e do templo. E os que restaram foram levados como escravos para fora da Judeia. Foram eles que, obrigados, construíram o canal de Corinto, existente até os dias de hoje, que une o Adriático com o Mediterrâneo.


José e Maria tiveram que submeter-se a este edito. Como não havia lugar nas hospedarias da região não restou alternativa senão refugiar-se numa estrebaria de animais. Ali nasceu Jesus, fora da comunidade humana e entre os animais. Aquele que veio da escuridão foi o primeiro a ver “a Luz verdadeira que ilumina cada pessoa que vem a este mundo” (Jo 1,9).


 IHU On-Line – Outra cena que completa a jornada de José e Maria é a fuga para o Egito, já com o menino Jesus. Poderia nos explicar esse outro momento? E o que ele revela sobre o entendimento de José acerca do poder político, especialmente de Herodes?


Leonardo Boff – Herodes era um rei sanguinolento e temeroso de perder o trono. Sabendo que nascera um menino da descendência de Davi, eventual sucessor do trono, mandou matar todos os meninos abaixo de dois anos para assim se assegurar que não teria pretendentes. O genocida assim fez. E as Escrituras trazem uma das mais comovedoras expressões das mães que perderam os filhos: “Em Ramá se ouviu uma voz, muito choro e gemido: a mãe chora os filhos mortos e não quer ser consolada porque ela os perdeu para sempre” (cf. Mt 2,28).

 

Quantas mães hoje na Baixada Fluminense choram seus filhos inocentes mortos pela polícia enquanto estavam brincando ou simplesmente conversando na porta de casa. Sabendo o quanto sanguinolento era Herodes, José tomou Maria e Jesus, atravessou o deserto, com todos os riscos que os evangelhos apócrifos relatam, e chegou com eles ao Egito, país odiado pelos judeus pelo tempo de escravidão que lá sofreram. Somente quando se certificou de que Herodes havia morrido, voltou e foi se esconder numa vila desconhecida ao norte, em Nazaré, para lá estarem finalmente seguros.


IHU On-Line – Que narrativa se constitui de São José até o decreto Quemadmodum Deus, assinado em 8 de dezembro de 1870 por Pio IX, em que torna José Esposo de Maria e Padroeiro da Igreja Católica? E o que muda na história contada acerca de José depois desse decreto?


Leonardo Boff – De modo geral São José nunca teve centralidade na Igreja latina. Quase tudo se concentrava em Jesus e em Maria. Somente no século VIII se começou certo culto a São José. Só a partir dos anos 800 aparecem os primeiros sermões, pois a Igreja não sabia o que fazer com alguém que não dissera nenhuma palavra e tivera somente sonhos. Só em 1870 foi proclamado patrono da Igreja Universal não pelo Papa Pio IX, mas por um decreto da Congregação dos Ritos.


Pio XII proclamou o dia primeiro de maio o dia de São José, o trabalhador. Mas foi somente o Papa João XXIII que introduziu seu nome no cânon da missa, “São José, Esposo de Maria". O verdadeiro culto a São José, seja como trabalhador ou patrono da boa morte, foi por séculos venerado pelo povo. Eles conheciam os apócrifos, cheios de detalhes da vida cotidiana de Jesus, que inspirou os artistas renascentistas e até hoje em dia, como entre outros ‘A história de José, o carpinteiro’ e ‘Diálogos de Jesus, Maria e José’”. Comovente são as palavras de Jesus, no A história de José, o carpinteiro: “Vendo que expirava eu me atirei sobre o corpo de meu pai José, fechei seus olhos, cerrei sua boca e levantei-me para contemplá-lo”. Mais tarde confidenciou aos Apóstolos “quando iam sepultá-lo, não me contive, lancei-me sobre seu corpo e chorei longamente”.


São José, por causa da devoção popular – é o patrono do Ceará – dá nome a pessoas, ruas, edifícios, escolas e a várias congregações religiosas, especialmente dos Josefinos, que levam pelo mundo seu nome. Comenta, entretanto, um dos maiores conhecedores da Josefologia, dos estudos sobre São José: “a Santa Sé foi a última a ser conquistada para a devoção de São José”. Com a Exortação Apostólica Patris corde do Papa Francisco se deu mais um passo na consolidação da devoção daquele que, segundo minha compreensão, é a personalização do Pai celeste.


IHU On-Line – São José também é uma das figuras mais presentes na piedade popular. Como o senhor analisa essa devoção, especialmente no Ceará e Nordeste  brasileiro?


Leonardo Boff – Na Igreja oficial são os papas, bispos e padres que detêm a palavra e possuem visibilidade. São José, oficialmente, é quase invisível. Mas existe um poderoso cristianismo popular, cotidiano e anônimo do qual poucos tomam nota. Nele vive a grande maioria dos cristãos, nossos pais, avós e parentes que tomam a sério o Evangelho e o seguimento de Jesus. São José por seu anonimato e silêncio se insere dentro desse mundo pequeno que é das grandes maiorias.


Mais que patrono da Igreja universal, é o patrono da Igreja doméstica, dos irmãos e irmãs menores de Jesus. Ele é um representante da “gente boa”, da “gente humilde”, sepultados em seu dia a dia cinzento, ganhando a vida com muito trabalho e suor e levando honradamente suas famílias pelos caminhos da honradez, da solidariedade e do amor. Orientam-se mais pelo sentimento profundo de Deus que por doutrinas teológicas sobre Deus. Para eles, como para José, Deus não é um problema, mas uma luz poderosa para os problemas. 


Foi num ambiente assim popular que cresceu e se educou Jesus. E o povo inconscientemente em sua fé intuitiva captou essa singularidade, de que não fala, mas sempre acompanha os fiéis em suas dificuldades e em suas festas.


IHU On-Line - Que mensagem o senhor pode nos deixar para que enfrentemos 2023 com coragem e alegria e que, mesmo diante das adversidades, nutrimos a esperança por um 

novo tempo?


Leonardo Boff – Vivemos tempos sombrios como aqueles vividos por São José. Ele nunca abandonou Maria e ficou junto ao Filho até que ele começasse sua missão libertadora. Cumpriu sua missão e desapareceu, pois fez tudo o que tinha a fazer, como pai, esposo, trabalhador e educador. Ele pode nos acompanhar nestes tempos de abatimento e dor de tantos milhares e no mundo milhões que perderam seus entes queridos.


Seu filho não morreu na cama, mas em dores terríveis no alto da cruz. Mas ressuscitou para nos dizer: a morte não tem a última palavra. Mesmo os que morrem, me seguirão em minha ressurreição. Eu sou apenas o primeiro entre muitos irmãos e irmãs. A vida não é feita para acabar na morte, mesmo de forma tão triste como agora, mas para se transformar através da morte em vida nova em Deus, que recebe a todos como Pai materno ou Mãe paterna para viverem felizes com todos os que os antecederam, avós, pais, irmãos, parentes e amigos. A vida sempre escreve a última página.

 

Palavra final: eu assumi intencionalmente o mandato que Jesus deixou aos Apóstolos: “Quando fordes revestidos de minha força e receberdes o Espírito de meu Pai, o Espírito Paráclito e quando fordes pregar o Evangelho, pregai também a respeito do meu querido pai José” (A história de José, o carpinteiro, capítulo 30, n.3). O Papa Francisco com sua Exortação Patris corde e eu fizemos nossa parte. Que os cristãos, homens e mulheres, façam também a sua.


Texto em preparação ao dia primeiro de maio de 2023 - Pastoral Operária - Ubá. A celebração do Dia 1º de Maio, Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras é realizada em Ubá desde 1986.  Em 2023 a celebração será às 19:30 na Igreja de Nossa Senhora Rainha da Paz - Bairro da Luz e Agroceres. Procissão de São José Operário saindo do Salão Comunitário.


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