Quem vende sabe

Quem vende sabe


"O crack é uma droga tão nociva à saúde, tão corrosiva, que os próprios traficantes cariocas não queriam comercializá-la, pelo menos no início. Não por bondade, mas porque ela destruiria os usuários e, a longo prazo, acabaria com o mercado", escreve Zuenir Ventura, jornalista e escritor, em artigo pubicado no jornal O Globo, 07-11-2009.

Eis o artigo.

O crack é uma droga tão nociva à saúde, tão corrosiva, que os próprios traficantes cariocas não queriam comercializá-la, pelo menos no início. Não por bondade, mas porque ela destruiria os usuários e, a longo prazo, acabaria com o mercado.

Não se sabe como e por que o flagelo, que se difundiu antes em SP, terminou por se impor aqui. Talvez por pressão do consumo mesmo. Atualmente, como demonstrou a reportagem de Waleska Borges e Gustavo Goulart, mais de 80% das crianças e adolescentes que vivem nas ruas do Rio usam a droga. Para se ter uma ideia, em 2005, eram 13%; em 2006, 33%; em 2007, 49%; em 2008, 69%, de acordo com dados da Secretaria municipal de Assistência social.

Tão expressivo quanto esses números foi o depoimento que vi no “Conexões urbanas”, um programa do Multishow indispensável para se entender aspectos menos óbvios da cidade, inclusive os mais sombrios, a realidade inconveniente, como a impressionante entrevista que o apresentador José Junior, do AfroReggae, fez com o gerente de uma boca de fumo, mostrando o que se passa na cabeça de um bandido. Entre as chocantes revelações, estava a de que eles, os traficantes, são os ídolos das crianças nas comunidades que dominam.

Quando brincam de polícia e ladrão, preferem ser o vilão (Junior observou que nas favelas ocupadas pela PM os papéis se invertem).

“Eles veem a gente como espelho”, informa o entrevistado.

“Se espelham no que está mais perto. Onde está o Estado aqui? A única secretaria é a de Segurança, mais nenhuma. Cadê a de educação, saúde, saneamento básico?” Segundo ele, são apenas duas as opções para os jovens: “Ou vou estudar e morrer como meu pai, trabalhando. Ou vou ser bandido e tentar o que nunca tive: usufruir roupa de marca, um relógio bom, um perfume bom.” O capítulo mais surpreendente foi o das drogas.

Assistiu-se a este diálogo entre entrevistador e entrevistado:

— O que é pior, cocaína ou crack?

— Sem dúvida nenhuma, de mil a zero, é o crack. Eu tenho temor dessa maldição. Foi a pior coisa que veio aqui pro Rio.

— Por que você vende então?

— Eu não vendo porque quero. É porque, se eu não vender, outro vende. É questão de concorrência. Tava proibido, mas o pessoal vai lá, compra e usa aqui. Se tivesse havido uma reunião antes... mas agora que sabe que dá dinheiro, vai ficar difícil de acabar com isso.

— O que vende mais?

— Com certeza é o crack.

— O crack dá lucro no Rio?

— Se eu falar que não dá, é mentira. Mas é uma coisa muito triste, absurda.

— O que você diria para os jovens que veem este programa?

— Procurar escutar mais os pais e as mães. Menos drogas com que se envolverem, melhor para eles.

— Mas se eles usarem menos drogas, vão te dar prejuízo.

— Mas eu aconselho porque não quero pros meus filhos nem pros filhos de ninguém. É bobeira, é burrice, é babaquice.

Palavra de traficante.


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