Perdoai as nossas dívidas ou perdoai as nossas ofensas?

“Dito isso, demos um passo a mais. Em muitas igrejas de tradição católico-romana, em vez de pedir perdão pelas "dívidas", pede-se perdão pelas "ofensas". Mudaram-se as palavras de Jesus. Não no sentido de Paulo para ampliá-la. Ao contrário, para reduzi-la. É que ofensa não é simplesmente sinônimo de dívida. Podemos até dizer que as ofensas são dívidas. No entanto, não podemos dizer que as dívidas estejam incluídas nas ofensas. Assim não é no dicionário nem no senso comum, ao ponto de ninguém ir a uma instituição bancária para pagar ofensas”.


Uma proposta concreta para o ano Jubilar : Voltar a rezar o pai nosso da Forma original: "perdoai as nossas dívidas assim como nós perdoamos aos nossos devedores"
O Papa Francisco promulgou o decreto, conhecido como Bula de Indicação, para o Ano Jubilar de 2025, que ele abriu na Basílica de São Pedro em 24-12-2024 e encerrará em 06-01-2026.

Consta do livro do Levítico na Bíblia Hebraica capítulo 25 versículos 8 a 17: “Conte sete semanas de anos, isto é, sete vezes sete anos; tais semanas de anos darão um período de 49 anos. No dia dez do sétimo mês você fará soar da trombeta Yobel. Declare SANTO o quinquagésimo ano e proclamem libertação para todos os moradores do país.

Segundo Fernando Altemeyer Junior, o Jubileu é um ano especial de remissão, de alforria, de libertação de escravos e subalternos. Dívidas se consideram pagas ou devem ser apagadas e prescritas. Como que zerar a dívida do cartão de crédito. Os casais celebram suas bodas (jubileus) de 25, 50 e 75 anos. Fazer festa de tempos em tempos.
 
No ano jubilar os escravos e as escravas devem ser libertados. A terra deve ficar em repouso para não espoliar a Casa Comum, manter o bioma saudável, pois a natureza precisa de descanso, para voltar a produzir o alimento dos humanos sem esgotar pela ganância os bens de todos.
 
Consta que Jesus proclamou tal ano da Graça, ao entrar na sinagoga, ler texto do profeta Isaias e dizer que começava com ele um novo tempo jubilar, como lemos no evangelista Lucas, capítulo 4, 16 a 19: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os esmagados de coração, a pregar liberdade aos cativos, a restauração da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, a anunciar o ano jubilar do Senhor Deus”.

Atualmente, o Ano Santo é fazer o perdão das dívidas de países empobrecidos. Garantir direitos aos terceirizados explorados pelo neoliberalismo como entregadores, motoboys, seguranças e faxineiras nas empresas sem direitos garantidos e os informais sem carteira assinada. Emancipar os novos escravos e escravas, incluída a mão-de-obra infantil e os perseguidos por traficantes e milicianos nas periferias urbanas. 

Um aspecto central do Jubileu é superar todas as escravidões visíveis e invisíveis. As novas escravidões que submetem os trabalhadores, as mulheres, os migrantes e os refugiados precisa receber uma carta de liberdade no Ano Santo de 2025.

A oração do Pai Nosso, em sua forma original, contém a frase "perdoai as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores". Ao longo do tempo, algumas traduções e versões da oração substituíram "dívidas" por "ofensas", o que gerou debates sobre a melhor forma de expressar essa passagem.

“Jesus tinha muito claro que as dívidas revelam o pecado da desigualdade. Como as dívidas eram a principal causa da perda de terras, de casas e da liberdade, seu perdão era condição para que o reino do Pai fosse possível entre nós, resgatando os direitos fundamentais dos pobres à terra, à casa e à liberdade”.

“Dito isso, demos um passo a mais. Em muitas igrejas de tradição católico-romana, em vez de pedir perdão pelas "dívidas", pede-se perdão pelas "ofensas". Mudaram-se as palavras de Jesus. Não no sentido de Paulo para ampliá-la. Ao contrário, para reduzi-la. É que ofensa não é simplesmente sinônimo de dívida. Podemos até dizer que as ofensas são dívidas. No entanto, não podemos dizer que as dívidas estejam incluídas nas ofensas. Assim não é no dicionário nem no senso comum, ao ponto de ninguém ir a uma instituição bancária para pagar ofensas”.

Mateus: "Perdoa as nossas dívidas, como também nós temos perdoado aos nossos devedores"

Lucas: "E perdoa os nossos pecados assim como nós perdoamos a todo que nos deve"

"Servo mau, eu te perdoei toda a tua dívida, porque me rogaste. Não devias, também tu, ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?" (Mt 18,32-33).

Junto com o pedido pelo "pão", o pedido pelo "perdão das dívidas" forma o centro do Pai-nosso. São a santificação do nome de Deus, a realização do seu reino e a prática da vontade de Deus na terra.

Primeiro, comparemos o pedido de perdão na formulação lucana com a mateana. É provável que a de Mateus seja a mais próxima da oração de Jesus. Por quê? É que a expressão "perdão das dívidas" era algo familiar na tradição do povo de Jesus. Nas suas escrituras, está, inclusive, garantido na legislação. E as comunidades de Mateus eram formadas por pessoas de origem judaica.

Nas leis mais antigas, como Dt 15,1-18, temos o ano sabático, isto é, a cada sete anos, em que devem ser perdoadas, canceladas todas as dívidas (vv. 1-11). O objetivo é para que não haja nenhum pobre (v. 4). É também o ano da libertação dos escravos (vv. 12-18; Ex 21,1-7; Jr 34,14). A conexão entre essas duas atitudes é porque a perda da terra e a consequente escravização tinham como causa principal as dívidas (cf. Ne 5,1-5).

Diz um provérbio: "Eu não sou dono do mundo, mas sou filho do dono". Portanto, se todas as pessoas são filhas do mesmo Pai, então todas têm direito à mesma herança, ao uso dos bens que Deus gratuitamente deu a todos. Há inclusive uma bem-aventurança para os pobres a quem é negado o direito ao uso da terra: "Felizes os mansos, porque possuirão a terra" (Mt 5,5). No Salmo 37, de onde é tirada esta bem-aventurança, assim está escrito: "Os pobres possuirão a terra e desfrutarão de abundante paz" (SI 37,11). Sim, a terra só a Deus pertence: "A terra é minha e vós sois forasteiros e meus agregados" (Lv 25,23). "Do Senhor é a terra e tudo quanto ela contém" (SI 24,1). Se a terra é de Deus, então todas as suas filhas e seus filhos são herdeiros, isto é, têm direito à herança. Por isso, no plano do reino de Deus, na época da sociedade tribal, a terra era repartida: "E Josué entregou a terra como herança aos israelitas, repartindo-a em lotes segundo as tribos" (Js 11,23). E não era partilhada somente entre homens, mas também entre mulheres: "Toda moça que tiver uma herança em alguma das tribos israelitas deverá casar-se com um homem de uma das famílias da tribo de seu pai, para que os israelitas conservem cada um a herança de seus pais" (Nm 36,8; cf. 27,1-11).

De um lado, Jesus inclui o ano sabático no projeto do reino de Deus, quando se refere ao perdão das dívidas. De outro, ao anunciar o seu projeto na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-22). Ali, proclama um trecho do livro do profeta Isaías. Tal como os profetas do seu povo no passado, também Jesus se vê ungido e enviado pelo Espírito do Senhor para anunciar, entre outras boas-novas, uma boa notícia aos pobres e para proclamar um ano de graça do Senhor. E sabemos que o ano da graça do Senhor é uma referência ao ano do perdão das dívidas. Podemos, portanto, perceber como a questão do acesso de todas as pessoas à terra era central na boa-nova do reino do Pai.

Nas leis mais recentes, como Lv 25,8-55, o ano do perdão das dívidas, e a consequente volta à terra, a reintegração no clã e libertação de escravos, passou a ser feito não mais a cada sete anos, mas a cada cinquenta anos. Aqui temos a influência dos judeus que voltaram do exílio da Babilônia. Eles tinham como objetivo reaver as terras que pertenciam a seus pais antes do exílio, agora ocupadas pelos pobres que não haviam sido exilados. Este quinquagésimo ano ficou conhecido como o ano jubilar³.

Quando um judeu ouvia falar no perdão das dívidas, logo lhe vinha à memória esse projeto, há muito tempo relegado a um segundo plano. Jesus sopra a mecha que ainda fumega e reacende no povo pobre e endividado a esperança de dias melhores. Mas quando um não judeu escutava essas mesmas palavras, elas não evocavam todo esse significado nem animavam alguma esperança. Essa deve ser a razão por que as comunidades paulinas, de onde saiu o evangelho segundo Lucas, substituíram "dívida" (gr.ofeile) por "pecado" (gr. amartia).

Para Paulo, pecado é tudo o que nos separa de Deus, tudo o que nos escraviza, desde a escravidão das dívidas, da lei, do poder das estruturas deste mundo, de tudo o que nos impede de ser radical- mente livres, conduzidos pelo Espírito. Pecado é tudo o que destrói a vida, é adesão ao sistema de morte. Pecado é trair a missão, rompendo com a aliança e deixando-se levar pelos desejos da carne, pelo mal. Para inculturar na vida de outros povos a boa-nova de Jesus dirigida a Israel, Paulo busca as palavras que melhor expressam a intenção de Jesus em novos contextos. E a palavra que melhor traduzia para os gentios o significado de "dívidas" era "pecados". Contudo, para não permitir às pessoas que transformam as religiões em meros moralismos individualistas carregados de culpas, a equipe de Paulo teve o cuidado de manter a perspectiva econômica do pedido de perdão das dívidas. Como fez isso? Mantendo o perdão das dívidas na seguinte formulação: "assim como também nós perdoamos a todo o que nos deve" (Lc 11,4).

Jesus tinha muito claro que as dívidas revelam o pecado da desigualdade. Como as dívidas eram a principal causa da perda de terras, de casas e da liberdade, seu perdão era condição para que o reino do Pai fosse possível entre nós, resgatando os direitos fundamentais dos pobres à terra, à casa e à liberdade.

 Dito isso, demos um passo a mais. Em muitas igrejas de tradição católico-romana, em vez de pedir perdão pelas "dívidas", pede-se perdão pelas "ofensas". Mudaram-se as palavras de Jesus. Não no sentido de Paulo para ampliá-la. Ao contrário, para reduzi-la. É que ofensa não é simplesmente sinônimo de dívida. Podemos até dizer que as ofensas são dívidas. No entanto, não podemos dizer que as dívidas estejam incluídas nas ofensas. Assim não é no dicionário nem no senso comum, ao ponto de ninguém ir a uma instituição bancária para pagar ofensas.

Pode ser que os liturgistas tinham boas intenções ao mudar as palavras de Jesus no Pai-nosso. Entretanto, se assim foi, não se deram conta do desserviço que prestaram à sua boa notícia. É verdade que faz parte de seu evangelho o perdão também das ofensas. Perdoar injúrias, ultrajes, danos, desrespeito, calúnias, indelicadezas, etc., também faz parte do programa de Jesus. Todavia, ele vai muito além, pois dívidas é uma referência ao ano de graça do Senhor (Lc 4,19), ao ano jubilar que, segundo Lv 25, é o ano do perdão das dívidas e, em consequência, o resgate da terra e da liberdade. E dívida é uma quantia que se tem de pagar a alguém. Sabemos que as dívidas eram a principal causa da escravidão. Também Jesus tinha essa clareza em relação a essa realidade. Por isso, incluiu o tema em uma de suas parábolas (Mt 18,23-25). E, junto com a escravidão, vinha também a perda da terra, da casa, da família, da liberdade. Portanto, o perdão das dívidas inclui os direitos à liberdade, à família, à casa e à terra.

Em algumas edições da Bíblia, ao chegarem ao pedido do perdão das dívidas, alguns tradutores deixaram o texto grego de lado e procuraram o livro de liturgia. Assim, copiaram a fórmula alterada, reduzindo o alcance profundo do pedido como Jesus o formulou. Sua experiência com o Pai era em torno de um projeto muito mais amplo que tem a ver com todas as dimensões da vida, fossem elas afetivas, comunitárias, econômicas, políticas, religiosas, étnicas, de gênero, geracionais ou ecológicas. Uma acusação que não se pode fazer a Jesus é que ele foi reducionista, limitando o perdão entre nós e o perdão misericordioso de Deus a um moralismo individualista, intimista e superficial sem levar em conta a justiça e a igualdade entre todas as pessoas. Fosse assim, será que os poderosos deste mundo o teriam difamado, caluniado e, por fim, matado na cruz por mãos de soldados do Império?

No entanto, Jesus sabia muito bem que o perdão também das ofensas era fundamental para que pudesse haver harmonia, seja na casa, seja na rua, seja no trabalho, por fim, seja em todas as esferas da vida. Somente é possível a paz na convivência, caso haja reconciliação (Mt 18,15-35). É um perdão exigente. Para vivê-lo, é preciso cultivar o desejo de perdoar, inclusive, em situações difíceis. É isso que Jesus nos pede ao dizer que é preciso perdoar setenta vezes sete (Mt 18,21-22).

A nossa oração será agradável a Deus só no momento em que estivermos reconciliados com todas as pessoas (Mt 5,21-25.43-48). Somente perdoando é que também estaremos abertos ao perdão de Deus (Mt 6,14-15). Em outras palavras, só quem tem abertura para perdoar é também capaz de acolher o perdão de Deus. Deus, em sua misericórdia, não nega seu perdão a ninguém, da mesma forma como faz nascer o sol também sobre os maus (Mt 5,45; Lc 6,35). Contudo, quem nega o perdão ao próximo, fecha-se à misericórdia que Deus lhe oferece gratuitamente. Nega-a ao recusar o perdão ao próximo. Não é por acaso que Jesus diz que são felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia (Mt 5,7). Somente sabe acolher o perdão de Deus quem está disposto a perdoar setenta vezes sete, isto é, como Jesus perdoou. Ele perdoou em situações extremas como, por exemplo, a seus algozes (Lc 23,34). No mesmo sentido, amar como Jesus amou e perdoar como ele perdoou é amar os nossos inimigos e orar pelos que nos perseguem (Mt 5,44).

Certamente, o perdão fazia parte da prática terapêutica de Jesus. Quantas doenças são fruto de mágoas ou ressentimentos, de ran- cores ou de ódios não curados? Daí a sua insistência na humildade de reconhecer nossos erros e de pedir perdão, de ter também a grandeza de saber perdoar. Assim, haverá mais saúde, mais reconciliação, mais convivência harmoniosa. Quanta violência seria evitada se soubéssemos perdoar e pedir perdão!

Acima, já nos referimos ao Pai misericordioso que Jesus experimentou em sua vida. E a parábola do filho perdido (Lc 15,11-32) é a narrativa que melhor ilustra essa dimensão da compaixão. "Ele estava ainda ao longe, quando seu pai viu-o, encheu-se de compaixão, correu e lançou-se-lhe ao pescoço, cobrindo-o de beijos" (Lc 15,20). De um lado, Jesus nos convida a acolher o perdão de Deus. Sua ternura nos faz bem. Sua acolhida é aconchego, é cura. Com o filho perdido, dizemos: "Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho." (Lc 15,21). Estamos em dívida com Deus, pois nem sempre correspondemos ao seu amor. De outro, o pedido de perdão é um convite a deixar-nos transformar pela misericórdia do Pai e, assim, poder vivê-la também em relação a todas as pessoas e em relação a toda criação. Pedir perdão pelos pecados é também reconhecer que ainda não somos plenamente livres, que muitas coisas ainda nos escravizam, ou ainda, é reconhecer que muitas vezes escravizamos outras pessoas com violência afetiva, psicológica, religiosa, política ou mesmo econômica.

"Pai, perdoa as nossas dívidas, assim como também nós temos perdoado aos nossos devedores."

"Pai, perdoa os nossos pecados, assim como também nós perdoamos a tudo o que nos deve."

A oração de Jesus - CEBI - São Leopoldo -Ildo Bohn Gass

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