Porque os homens não renunciam quando bebem e dirigem?

A bispa que bebeu, dirigiu e renunciou. ( do sitio do ihu)

A líder da Igreja evangélica da Alemanha renunciou após tornar-se público que ela havia triplicado a taxa de álcool permitida no sangue. Muitas vozes acreditam que ela foi julgada com mais dureza por ser mulher. Houve sexismo?

A reportagem é de Laura Lucchini, publicada no jornal El País, 07-03-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Em outubro passado, Margot Kässmann, então bispa protestante da Igreja de Hannover, conseguiu o que nunca antes uma mulher havia conseguido: com um voto unânime e a benção da imprensa encantada com o seu carisma, foi eleita líder da Igreja evangélica da Alemanha (EKD), uma instituição que reúne 30% da população.

Ninguém imaginava, então, que seu mandato iria durar apenas quatro meses. Na semana passada, Kässmann renunciou. Quatro dias depois de a polícia a ter parado bêbada dirigindo seu carro particular, ela considerou que não tinha "autoridade moral para continuar no cargo". O acontecimento abriu um amplo debate na Alemanha acerca do sexismo e da "tolerância zero" da Igreja.

Margot Kässmann, de 51 anos, divorciada, com quatro filhos e autora de um livro sobre a crise da meia idade nas mulheres e de sua experiência pessoal na luta contra o câncer de mama, havia se convertido em outubro na "estrela pop da Igreja evangélica", nas palavras da revista Der Spiegel. Em anos de constantes perdas de fiéis, Kässmann, além de desfrutar um amplo respaldo por ser uma reputada teóloga, tinha que trazer consigo ar fresco e adesões entre os jovens.

Ao receber a notícia de sua nomeação em outubro, ela disse à imprensa alemã: "Meus filhos são maiores de idade, e meu cachorro, idoso", para indicar que já tinha tempo suficiente para se ocupar de 25 milhões de fiéis. Seu discurso direto, suas fortes tomadas de posição, o apoio de muitos, também fora da Igreja, e as críticas de certa parte da hierarquia eclesiástica, assim como dos políticos conservadores, garantiram-lhe uma presença constante nos meios de comunicação.

Ela falou sem restrições sobre vários temas delicados. Criticou, por exemplo, o ensino católico sobre a prevenção da Aids na África. Também condenou as posições católicas sobre os homossexuais e o celibato. No entanto, as palavras que tiveram mais eco foram as do seu sermão de Ano Novo, quando pediu a retirada das tropas alemãs do Afeganistão. "Os soldados alemães deveriam ser retirados o quanto antes", disse.

Sua posição era uma das mais importantes na Alemanha. Para o seu país, ela representava uma autoridade moral superior a de qualquer outro. No entanto, há duas semanas, um sábado à noite, ela se comportou como qualquer cidadão a pé. Tomou álcool em uma janta, pegou seu carro Volkswagen Phaeton e se dirigu até sua casa, sem pensar que talvez seria melhor pedir um táxi. Quando a polícia a parou, ela tinha acabado de passar por um semáforo vermelho e dirigia ao dobro da velocidade permitida. Por essas duas razões, ela foi submetida a um teste de taxa de álcool, que indicou que ela tinha 1,54 miligramas de álcool no sangue, equivalente a mais de três vezes o limite permitido (0,5 miligramas), "um nível totalmente incompatível" com a condução de um carro, segundo a polícia.

A publicação da notícia causou um imediato alvoroço na imprensa alemã, que, em geral, além das cores políticas, condenou o erro de Kässmann, mas não pediu sua renúncia. Por sua vez, o Conselho da Igreja Evangélica na Alemanha (EKD), formado por 14 membros, se reuniu de forma urgente e formulou um comunicado oficial em que estendeu seu apoio unânime e sua plena confiança na bispa: "Em uma confiança incondicional, a Igreja Evangélica remete à presidenta a decisão acerca do caminho que é preciso tomar". Mesmo que se tratasse de uma mensagem de apoio, já parecia ser um adiantamento da sua renúncia.

Pragmática e concisa, assim como aceitou seu compromisso, em uma coletiva de imprensa de seis minutos, Kässmann renunciou aos dois cargos que ostentava: bispa de Hannover e presidenta da Igreja Evangélica. "Meu coração me diz com toda clareza que eu não posso me manter no cargo com a autoridade suficiente", declarou Kässmann em Hannover. "Cometi um grave erro e me arrependo dele". Além disso, Kässmann disse ter aprendido que "não é possível cair mais embaixo do que nas mãos do Senhor". Poucos dias depois, ela foi substituída por Nikolaus Schneider, um homem.

O assunto logo se converteu em um debate de gênero dentro da Igreja. "Porém, as mulheres se encontram sempre em um papel de pioneiras", assegura Barbel Wartemberger-Potter, ex-bispa de Schleswig-Holstein Lübeck, terceira mulher na Alemanha a alcançar tais níveis dentro da hierarquia. "Ainda não temos o direito de cometer tantos erros como os nossos colegas homens. As mulheres têm menos experiência com o êxito e o fracasso. Não podem se permitir erros. Porém, existem grupos na Igreja que não reconhecem as mulheres em posições de liderança".

Para as mulheres da Igreja, as renúncias são uma perda enorme. "Sua renúncia representa uma perda também para muitas mulheres em outras Igrejas, que, na eleição de Margot Kässmann como chefe da Igreja Evangélica, viram um exemplo de coragem para o progresso em suas próprias Igrejas", explica Brunhilde Raiser, presidenta das Mulheres Evangélicas da Alemanha, em uma entrevista por e-mail.

"No entanto, agora as mulheres são avaliadas com uma escala diferente da dos homens. A agitação pública por causa do comportamento errado de Margot Kässmann foi muito mais exagerada que a referida a experiências passadas análogas que tiveram funcionários homens como protagonistas".

Nem todos estão de acordo. Em um comentário muito duro publicado na revista Der Spiegel, o teólogo Markus Becker insistiu que um nível de 1,54 miligramas de álcool no sangue não significa uma taça a mais, mas sim "uma garrafa a mais". Ele lembrou a gravidade do crime em um país que, no ano passado, registrou 400 mortes por acidentes de trânsito, e disse que o sexismo, que sem dúvida é um problema das Igrejas alemãs, não tem absolutamente nada a ver com o caso de Kässmann. Uma análise sexista que, segundo ele, "não só é um erro, mas também tira de Kässmann o respeito que sua decisão lhe garantiu".

O debate acerca do sexismo, a renúncia de Kässmann e o ruído que esta causou ocorrem em um momento delicado para a imagem dos protestantes na Alemanha: no mês passado, ocorreram vários escândalos de abusos sexuais em colégios. Ambos os acontecimentos, apesar de não ter nada em comum, alimentaram um debate sobre a necessidade (ou não) de modelos morais sem manchas na sociedade.

"Uma sociedade seria mais madura se não necessitasse de modelos de heróis impecáveis em sua cabeça", escrevia Markus Horeld no jornal Die Zeit. "Seria desejável que as pessoas nos órgãos diretivos eclesiásticos pudessem tratar abertamente de seus erros e defeitos. É precisamente o que Margot Kässmann fez ao assumir a sua culpabilidade", assegura Brunhilde Raiser.

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