“A extinção dos partidos inviabiliza a democracia”
É necessária uma
reciclagem geral dos partidos, observa João Pedro Schmidt, e a fragmentação
entre eles em nosso país força os governantes a um esforço descomunal para
assegurar a governabilidade, assegura
Por: Márcia Junges
“O alheamento dos cidadãos em relação às instituições
democráticas é um fenômeno internacional e parece estar se agudizando. As redes
sociais vêm sendo um espaço importante de clamor contra esse quadro de
alheamento e de chamamento à mudança, com espaço para todo o tipo de visão”,
pondera o filósofo e cientista político João Pedro Schmidt em entrevista concedida por e-mail à IHU
On-Line. Em seu ponto de vista, “o sistema político brasileiro
não está em xeque, mas as manifestações questionam severamente várias de suas
dimensões, vinculadas à moralidade, à representação e à eficácia das políticas
públicas”. No caso brasileiro, “a confusão entre a coisa pública e a coisa
privada levou os cidadãos a incorporar a troca de favores na sua concepção de
moralidade, prejudicando seriamente o combate à corrupção. O favor político não
é visto como algo imoral”. Sobre o rechaço dos manifestantes brasileiros aos
partidos políticos, Schmidt analisa que há uma necessidade de se criarem
“outros mecanismos de formação da vontade política. O anti-partidarismo
extremado é próprio dos grupos fascistas presentes nas manifestações e nos atos
de vandalismo, mas minoritários”. E acrescenta: “As manifestações não
disseminam sementes fascistas; elas são soluços da crise de representação e de
ineficácia governamental, que merecem respostas adequadas do Estado”.
João Pedro Schmidt é graduado em Filosofia pela
Faculdade de Filosofia Imaculada Conceição, mestre em Filosofia pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e doutor em Ciência Política
pela mesma instituição com a tese Juventude e Política nos anos 1990: um estudo
de socialização política no Brasil. É vice-reitor da Universidade de Santa Cruz
do Sul – UNISC, onde leciona no Programa de Pós-Graduação em Direito. É autor
de O que pensam os jovens, hoje (Santa Cruz do Sul: (publicação própria), 1996)
e Juventude e Política no Brasil: a socialização dos jovens brasileiros na
virada do milênio (Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2001) e organizou a obra
Instituições comunitárias: instituições públicas não-estatais (Santa Cruz do
Sul: Edunisc, 2009).
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Os manifestos em curso
no Brasil demonstram que estamos diante de uma falência política? Por quê?
João Pedro Schmidt - Falência política me parece um termo
excessivo, pois indicaria a falência do nosso sistema democrático. O sistema
político brasileiro não está em xeque, mas as manifestações questionam
severamente várias de suas dimensões, vinculadas à moralidade, à representação
e à eficácia das políticas públicas. Palavras de ordem como “nenhum partido me
representa” e “o gigante acordou” podem sugerir uma negação completa das instituições
existentes, mas vejo-as mais como expressão da insatisfação frente a serviços
públicos de baixa qualidade, como o transporte público, a saúde e a educação, e
de frustração face às notícias cotidianas sobre a corrupção política. Há três
elementos que gostaria de ressaltar.
O primeiro é que não se pode deixar de levar em conta que o
caldo de cultura das manifestações está sendo fervido pela grande mídia e pela
internet. A grande mídia brasileira – que foi caracterizada recentemente pelo
ministro Joaquim Barbosa, curiosamente um dos ícones midiáticos dos últimos
tempos, como não plural e com “tendência ao pensamento de direita” – nunca se
livrou do viés liberal-conservador. Sua cobertura da política é espetacularista
e tem nos escândalos a sua matéria prima principal. A democracia é equiparada a
eleições e defesa de direitos individuais. Essa cobertura não favorece o senso
de participação popular, não evidencia a diferença qualitativa que governos
progressistas têm buscado imprimir na sua relação com os cidadãos, nem alerta
para os perigos de sujeição da política aos interesses do mercado. A internet
contrabalança em certa medida a pauta da mídia, mas não deixa de reverberá-la,
até porque os principais sites de informações disponíveis na internet são os mesmos
da mídia.
Sinais de cansaço
A segunda é que quem está nas ruas é principalmente a juventude
de classe média, que têm uma sensibilidade política distinta de outras camadas.
A terceira é a incapacidade das instituições e dos governos de se aproximarem mais
dos cidadãos, de inseri-los mais ativamente na política cotidiana. Nesse
aspecto, a democracia representativa dá sinais de cansaço e os governos de
esquerda, apesar das inovações implementadas após a Constituição de 1988, não
conseguiram romper com a sensação do cidadão comum de que a política é um
território estranho, que tem regras obscuras e está povoada por indivíduos
moralmente questionáveis.
O alheamento dos cidadãos em relação às instituições
democráticas é um fenômeno internacional e parece estar se agudizando. As redes
sociais vêm sendo um espaço importante de clamor contra esse quadro de
alheamento e de chamamento à mudança, com espaço para todo o tipo de visão. O
quarto é que a crise financeira internacional desencadeada em 2008 potencializa
os descontentamentos e agrava o senso de que há muitas coisas erradas.
IHU On-Line - Como podemos
compreender o rechaço aos partidos políticos pela maior parte dos
manifestantes? O que isso demonstra sobre a situação da democracia
representativa?
João Pedro Schmidt - Os partidos brasileiros
historicamente não foram partidos de massa. A criação do PT nos anos 1980 foi
considerada uma exceção, num país marcado por siglas frágeis e com pouco
enraizamento social. O PT continua sendo um importante fenômeno da política
brasileira e é o único partido com apoio popular expressivo, obtendo em média
25% a 30% de simpatia nas pesquisas de opinião nacionais, enquanto os demais
não passam em geral de 6% a 8%. Grande parte da classe média não se identifica
com o PT, nem com qualquer dos outros partidos. As manifestações evidenciaram
esse afastamento. Embora não se deva generalizar essa rejeição aos partidos
como algo próprio de toda população, é o sentimento da maioria. A dinâmica dos
nossos partidos não vem se mostrando apropriada para incluir os cidadãos na
vida política, especialmente os jovens da era digital. Os partidos precisam se
reciclar urgentemente, mas a reversão desse quadro não é simples. Numa
sociedade sempre mais plural, cuja dinâmica econômica é ditada em boa parte
pelo consumismo voraz, com baixo senso de compromisso cívico entre os cidadãos,
é difícil que prosperem partidos fortes e que sensibilizem amplos setores da
população. Os partidos não devem monopolizar o acesso ao governo e ao
parlamento. É preciso ampliar os mecanismos representativos, e como já acontece
em outros países, deve-se possibilitar candidatos “independentes” nas eleições.
IHU On-Line - Até que ponto o desejo
pela extinção dos partidos repete momentos históricos como aqueles em que o fascismo
se firmou como sistema político predominante?
João Pedro Schmidt - A extinção dos partidos inviabiliza
a democracia. A voz das ruas não deu esse recado, e sim a necessidade de criar
outros mecanismos de formação da vontade política. O anti-partidarismo
extremado é próprio dos grupos fascistas presentes nas manifestações e nos atos
de vandalismo, mas minoritários. Não há risco por ora desse viés ideológico
criar força, salvo se os governos, os parlamentos e o Judiciário voltarem as
costas às manifestações, o que não é o caso, pois instaurou-se um clima de
diálogo e inaugurou-se uma pauta de discussões que procuram levar em conta a
voz das ruas. Fascismos e extremismos flertam com a crise econômica, o que não
é o caso do Brasil. Estamos num bom momento, de crescimento econômico e
redistribuição de renda. O nível de desigualdade social é o mais baixo já
mensurado. O nível de emprego é o mais elevado. A miséria extrema vai ficando
para trás. Diferentemente da Europa, onde os protestos são contra o desmantelamento
do Estado de Bem Estar, aqui estamos avançando nesse rumo. As manifestações não
disseminam sementes fascistas; elas são soluços da crise de representação e de
ineficácia governamental, que merecem respostas adequadas do Estado.
IHU On-Line - Há um nexo que une a
dissociação entre moralidade e política na gênese dos manifestos? Por quê?
João Pedro Schmidt - As manifestações catalisaram o
sentimento difundido na população de que “há muitas coisas erradas”. Entre
essas “muitas coisas erradas” está a sensação de que há muita corrupção na
política e de impunidade daqueles que são flagrados fazendo mau uso do dinheiro
público. Esse é um aspecto central não só das manifestações, mas da má vontade
do povo para com a política. Os comunitaristas norte-americanos, como Amitai
Etzioni e Michael Sandel, têm alertado para a necessidade das forças
progressistas e de esquerda compreenderem melhor a importância da moralidade na
política. Segundo eles, o descaso para com os aspectos morais por parte dessas
forças criou um vácuo moral ocupado pela direita, que conseguiu amealhar a
simpatia de milhões de eleitores nas últimas décadas, canalizando num sentido
reacionário as legítimas expectativas dos eleitores sobre o trato das questões
morais na política.
Concepção moral progressista
No Brasil, o vínculo entre a moral e a política é visto por
vezes como uma retomada do discurso moralista-udenista, o que de fato parece
ser o caso da grande mídia. Lá como aqui está colocada a tarefa da construção
de uma concepção moral progressista. Na conjuntura atual, é preciso combinar o
discurso econômico, político e moral, associando as conquistas da igualdade
social, da inclusão de milhões de pobres na nova classe média e da erradicação
da miséria extrema com a atenção a temas como o bom trato do dinheiro público,
a transparência, o combate permanente aos superfaturamentos nas obras públicas,
a erradicação de privilégios e a punição dos políticos corruptos.
IHU On-Line - Até que ponto é
possível reivindicar uma ética na política se em função da governabilidade os
acordos de coalização unem políticos que se situam nos extremos do espectro
ideológico?
João Pedro Schmidt - A fragmentação partidária existente
no Brasil força os governantes a um esforço descomunal para assegurar a
governabilidade. Ministros ou secretários são escolhidos ou deslocados, cargos
de confiança são mantidos ou alterados em função da necessidade de ter maiorias
nos parlamentos. É imperativo reduzir a fragmentação partidária, criando
exigências mais substanciais para a criação e manutenção de um partido. No
entanto, a dimensão ética ultrapassa esse aspecto. Trata-se de estabelecer um
novo padrão de política, que esteja conectado com a cultura moral das
comunidades e grupos. Etzioni explica que a cultura moral de uma comunidade se
forma e se transforma por meio de diálogos morais, que acontecem
permanentemente em conversações cotidianas, nas casas, nos bares, nas escolas,
nos locais de trabalho e lazer, e por vezes em reuniões, assembleias e eventos
formais.
Afastamento nocivo
Os diálogos morais consistem, no essencial, na avaliação e
discussão acerca de convicções e crenças que regem o comportamento das pessoas,
como as questões acerca das nossas obrigações acerca do meio ambiente, dos
direitos da mulher, a união de homossexuais, a penalização de jovens e
crianças. Não são discussões entre especialistas, e sim entre cidadãos. Os
políticos devem estar sintonizados com os diálogos morais que ocorrem na
sociedade e as políticas públicas devem levá-los em conta. Quando isso não
acontece, cria-se um afastamento entre os cidadãos e os governantes, que é
altamente nocivo à democracia. Impor leis e definir políticas descoladas da
cultura moral vigente na sociedade é inócuo (leis que não pegam, políticas que
não são efetivas).
IHU On-Line - Quais são as raízes da
corrosão política brasileira? O patrimonialismo, o autoritarismo e o
coronelismo nos ajudam a compreender a situação atual?
João Pedro Schmidt - Nossas mazelas vêm de longe. A
rememoração histórica nos mostra que aqui a formação do Estado precedeu à da
sociedade civil. O aparato estatal brasileiro herdou grande parte dos vícios do
Estado imperial português e manteve seus traços elitistas. A preeminência do
Estado na economia e na política do país manteve-se ao longo do tempo, mas
sempre em conexão com os interesses das elites econômicas, sejam agrárias ou
industriais. Um segundo ponto é a brevidade e descontinuidade democráticas. A
democracia brasileira não passa de alguns intervalos no século XX, em meio à
sucessão de golpes de força e tentativas de golpe. A Proclamação da República
foi um ato de força dos militares, depois veio a Revolução de 30, a tentativa
de restauração das velhas oligarquias em 1932, a “intentona comunista” em 1935,
a ditadura do Estado Novo de 1937 a 1945, o golpe que depõe Getúlio Vargas em
1945, a tentativa de impedimento da posse de Getúlio Vargas em 1950, as
tentativas de impedimento da posse de Juscelino Kubitscheck em 1955 e o
impedimento do vice Café Filho, a tentativa de impedimento da posse de João
Goulart em 1961 e o golpe de Estado de 1964.
Patrimonialismo e troca de favores
O período democrático atual de 30 anos é a nossa mais longa
experiência democrática. Os filhos nascidos nesse período são os primeiros
brasileiros que vivem integralmente um ambiente de normalidade democrática.
Mas, traços psicossociais do modo de ser brasileiro permanecem. Sergio Buarque
de Hollanda mostrou que o brasileiro tem habitualmente como traço do seu
caráter a cordialidade, associada a atitudes como a hospitalidade, generosidade
e tendência à intimidade, que leva ao personalismo, ou seja, a centralização da
relação política na pessoa, no indivíduo. Estudos recentes mostram que grande
parte dos eleitores vota ainda hoje em função do candidato, mas sem uma identificação
durável.
O patrimonialismo é o tratamento da coisa pública como se fosse
privada, sem a devida distinção entre os recursos públicos e os particulares,
que envolveu primeiro a ação dos senhores de escravos, dos latifundiários e
depois dos empresários industriais. A confusão entre a coisa pública e a coisa
privada levou os cidadãos a incorporar a troca de favores na sua concepção de
moralidade, prejudicando seriamente o combate à corrupção. O favor político não
é visto como algo imoral.
Raízes profundas
O coronelismo e o voto de cabresto são menos visíveis hoje em
dia, ao menos no eleitorado urbano das grandes cidades. O coronel local, que
arrebanha votos dos peões, em troca de favores e apoio conseguido junto ao
governo, não tem a proeminência de outrora, mas todos os candidatos precisam de
lideranças locais fortes para assegurar sua eleição. O autoritarismo, entendido
como a hipertrofia da autoridade em detrimento do diálogo e divisão do poder,
expressa-se ainda no mandonismo de muitas autoridades políticas, mas ultrapassa
os limites do Estado e deita raízes no cotidiano. O chamado autoritarismo
social designa a existência de uma estratificação das pessoas dispostas nos
seus respectivos lugares sociais, por critérios de classe, etnia ou gênero,
reproduzindo a organização hierárquica e desigual que marcou a história
brasileira. Certamente a grande maioria dos manifestantes que estão nas ruas
não tem presente esse quadro histórico. Seus protestos revelam a inconformidade
com um quadro cujas raízes são bastante profundas.
IHU On-Line - Como a dicotomia do
público/privado e do comunitário/público não estatal podem servir de parâmetros
para repensarmos a política que vem sendo feita em nossa recente democracia?
João Pedro Schmidt - Público e privado são conceitos
que vêm dos gregos e romanos e que continuam a estruturar a visão sociopolítica
atual. Por isso, é fundamental discutir seu sentido. O problema não está em
utilizar os conceitos, que continuam válidos, mas na redução da complexidade
política ao binômio público/privado. Há um grande leque de organizações e
fenômenos que não se coadunam com essa polarização, e que são melhor designados
pelos conceitos de “comunidade” e de “sociedade civil”. As consequências dos
excessos do Estado e do mercado são conhecidas. Na década de 1980 acompanhamos
a falência do socialismo estatista do Leste Europeu. No início da década de
2000 acompanhamos a falência do privatismo, com o fracasso das reformas
neoliberais, que se prolongam na crise financeira internacional desencadeada em
2008 e ainda em curso. Ao invés de modelos políticos dualistas, devemos pensar
em modelos triádicos. Etzioni fala do “equilíbrio entre Estado, comunidade e
mercado” como sendo próprio das sociedades comunitaristas, uma concepção
altamente fértil para os tempos atuais. As comunidades e as organizações
comunitárias são uma fonte de serviços de interesse público que vem sendo
insuficientemente valorizada. Universidades, hospitais, ONGs e outros
organismos criados e mantidos pela sociedade civil podem proporcionar – e já
vêm proporcionando – serviços de alta qualidade e com custos acessíveis. É o
chamado “setor público não estatal”. E mais: reforçar as comunidades, reforçar
a vivência em comunidades é uma forma importante de assegurar condições de vida
mais saudáveis e um espaço de politização aos indivíduos. Talvez o maior dos
problemas das complexas sociedades urbanas atuais é o individualismo e a
fragmentação social. Como mostram Etzioni, Putnam e outros estudiosos, a vida em
comunidades e em grupos é antídoto para muitos dos males do corpo, do espírito
e da política. A confiança interpessoal gerada nesses espaços favorece a
solução de conflitos, evita os excessos burocráticos, azeita a economia e a
eficácia das instituições.
IHU On-Line - A partir das
manifestações em nosso país, como podemos compreender o papel dos jovens na
construção do capital social no Brasil?
João Pedro Schmidt - As pesquisas sobre capital social
vêm indicando que nos vários segmentos populacionais brasileiros há um bom
estoque de capital social do tipo bonding, aquele que se estabelece entre
pessoas com vínculos de parentesco e amizade, mas frágil quanto ao tipo
bridging e linking, próprio das relações entre pessoas mais distantes e
hierarquicamente diferenciadas. Ter relações fortes entre as pessoas próximas é
importante, mas para não criar um espírito de gueto, de localismo, é
fundamental que os jovens estabeleçam relações amplas, que favoreçam um senso
cidadania voltado ao país e ao mundo. Nesse sentido, as manifestações foram
muito interessantes. As pautas começaram com questões locais, mas tornaram-se
nacionais. Formar jovens com visão nacional e mundial é a única forma de
enfrentar os grandes problemas do planeta. Nenhum dos nossos grandes problemas
pode ser resolvido na esfera local. As manifestações, ao proporcionarem uma
conexão com jovens desconhecidos, de cidades distantes, favorecem a confiança
interpessoal, abalada cotidianamente pela violência e criminalidade. O êxito
obtido nas reivindicações, como a redução na tarifa do transporte público,
favorece o empoderamento dos jovens e reforça o senso de eficácia
política.
IHU On-Line - Que tipo de política
tende a surgir após essa onda de protestos no Brasil?
João Pedro Schmidt - Uma política mais atenta às
questões levantadas nas manifestações. O indicativo de plebiscito ou referendum
para decidir questões da reforma política é um sinal de que governo e oposição
percebem a gravidade da situação. Essa atenção dada pelas autoridades terá um
efeito potencializador para futuras manifestações. É bem possível que as
manifestações convocadas via redes sociais tenham vindo para ficar. Esse
fenômeno não é necessariamente positivo para a democracia. Se for canalizado
por forças reacionárias, a presença do povo na rua pode levar água ao moinho do
atraso ou obstaculizar reformas necessárias.
IHU On-Line - Quais são as
peculiaridades dessas manifestações oriundas das redes sociais? O que elas
demonstram sobre os jovens de nossos dias e a sua forma de organização?
João Pedro Schmidt - Rapidez é uma das peculiaridades.
As informações propagam-se celeremente e as ações podem ser deflagradas em
pouco tempo. Essa rapidez nem sempre combina com a democracia, que requer a
observância de regras. Por vezes, a rapidez é aliada da má informação. A
difusão de boatos pode levar a ações equivocadas politicamente. Outra
peculiaridade é a conexão com realidades distantes, que pode ser lida de forma
otimista como a base de um novo espírito planetário e cosmopolita. Um questionamento
importante, por outro lado, é o fato de que as redes sociais são o território
de jovens fortemente influenciados pelo individualismo e consumismo. Pode-se
aventar a hipótese de que as mobilizações juvenis organizadas via redes sociais
não ultrapassam o horizonte da visão individualista e consumista.
IHU On-Line - Em que medida a
despolitização dos jovens está sendo questionada a partir dos movimentos no
Brasil, Espanha, Grécia e na Primavera Árabe?
João Pedro Schmidt - O que há de comum nesses movimentos
é o quadro de crise econômica internacional, que tem um ingrediente de
instabilização em todos os países, no ambiente da era digital. Mas, as
situações variam de país a país. Os protestos nos Estados Unidos tinham como alvo
a responsabilidade dos bancos, do sistema financeiro (Wall Street) na crise
internacional. A Primavera Árabe é uma onda em favor da democratização, em
países que não têm tradição democrática. Na Espanha e Grécia o foco é o
desemprego e a redução dos benefícios sociais proporcionados pelo Estado de Bem
Estar. No Brasil, as pautas dizem respeito ao modelo de desenvolvimento, que
vem proporcionando avanços sociais e econômicos, mas se depara com gargalos nas
políticas públicas e com a sensação de forte imoralidade no mundo dos
políticos. O fato de serem os jovens os principais ou importantes protagonistas
nas manifestações mundo afora indica que o potencial político da juventude se
mantém, evidenciando que certos rótulos, como a Geração Y ou Geração Milenarista,
explicam pouco sobre a juventude atual.
IHU On-Line - Que políticas públicas
deveriam surgir das exigências que estão sendo feitas pela população nesse
momento?
João Pedro Schmidt - A linha mestra das políticas
públicas econômicas e sociais deve ser mantida: desenvolvimento com inclusão
social. Seria desastroso para o país se as manifestações mexessem nessa linha
mestra, em favor de soluções imediatistas para certos problemas, mesmo que
importantes. E até agora não é isso que está no horizonte. A realocação de mais
recursos para o transporte público urbano em detrimento de outros investimentos
é perfeitamente plausível. As questões relativas à reforma política, como o
voto distrital, a possibilidade de candidatos “independentes” e outras, não
incidem diretamente sobre as questões econômicas e sociais, e é um debate
importante para o aperfeiçoamento das instituições. O principal objetivo a ser
buscado não diz respeito a alguma política pública em particular, e sim, à vida
política no seu conjunto: a volta dos jovens às ruas deveria ser o início de
uma politização efetiva da juventude, não apenas no sentido do envolvimento em
protestos ocasionais, mas do despertar do interesse pela política e da
disposição de participação regular nos canais disponíveis, que são muitos.
Descobrir a força dos conselhos de políticas, das consultas populares, dos
conselhos regionais de desenvolvimento e mesmo dos partidos políticos,
renovando-os, esse é o grande desafio de um ponto de vista democrático.