Como fundações norte-americanas financiaram o MBL e outro grupos e organizações Liberais.
Golpe no Brasil: a conexão internacional
http://www.ihu.unisinos.br - 12/05/16
Como
fundações norte-americanas financiaram grupos como o MBL,
que dizem agir “pelo bem do Brasil”. Os encontros de Aloysio
Nunes em
Washington, e a visita de Temer ao cônsul geral dos EUA.
O artigo é de Pedro
Marin, publicado por Outras Palavras,
11-05-2016.
Auditórios
cheios, carros de som, escritórios. Organizações como Instituto Millenium,
Movimento Brasil Livre (MBL),
Instituto Liberal, Instituto Ludwig Von Mises e Estudantes Pela Liberdade, como
num passe de mágica, emergiram no cenário político brasileiro, publicando
livros e realizando manifestações com enormes estruturas, treinamentos e
palestras – um processo que encontrou terreno fértil no país, devido à crise
mundial e à Operação Lava Jato.
Apesar das
tentativas de seus fundadores e por parte da imprensa em pintar os projetos que
defendem como algo “para o bem do Brasil”, oriundo “do povo brasileiro” e
“espontâneo”, todas estas organizações contam com financiamento e articulação
estrangeira, conforme detalhou a reportagem de Marina
Amaral na Agência
Pública, mostrando como uma rede de ONGs promove treinamento de lideranças,
patrocina “intelectuais” para aglutinar consensos nas redes e movimentos para
incendiar as ruas. Entre as organizações presentes na América Latina e leste
europeu chama atenção, em especial, a Atlas Network.
Fundada em
1981 com objetivo de “promover políticas econômicas do livre mercado pelo
mundo”, a Atlas é um think-tank que financia declaradamente as
atividades da direita em mais de 90 países. Com um orçamento anual de US$ 11,5
milhões, ela atua patrocinando a formação de quadros neoliberais. Como a
legislação dos EUA impede que essas entidades financiem agitações políticas
mundo afora, cada movimento é amparado por “institutos de formação”, que estão
liberados para receber os recursos. Esse é o caso da relação do centro de
formação Estudantes pela Liberdade (EPL)
com a militância profissional do MBL, por exemplo.
O
orçamento do EPL deste ano saltou para R$ 300 mil. “No
primeiro ano, a gente teve mais ou menos R$ 8 mil, o segundo foi para R$ 20 e
poucos mil, de 2014 para 2015 cresceu bastante. A gente recebe de outras
organizações externas também, como a Atlas. A Atlas, junto com a Students
for Liberty, são nossos principais doadores. No Brasil, as
principais organizações doadoras são a Friederich Naumann, que é
uma organização alemã, que não são autorizados a doar dinheiro, mas pagam
despesas para a gente”, declarou Juliano Torres diretor executivo do EPL.
Na Ucrânia
– onde em 2014 houve um golpe contra o Presidente eleito Viktor
Yanukovich -, a
Atlas financiou, por exemplo, o Centro de Liberdade Econômica Bendukidzke e o
Centro Para Pesquisa Econômica e Social. O primeiro tem como membros o
ex-Presidente da Georgia e atual governador de Odessa, Mikheil
Saakashvili, além do vice-chefe da administração (pós-golpe) do
Presidente Petro Poroshenko, Alexander Danyluk. O segundo é também
financiado pela Open Society Foundation,
do famoso especulador e homem das revoluções coloridas, George
Soros, e tem como parceiros agências governamentais ucranianas,
canadenses e inglesas, além da USAID (EUA) e o Banco Mundial.
Em 2014, a
Atlas despejou US$ 4,5 milhões mundo afora em uma série de organizações mais ou
menos similares, segundo o formulário 990, que as organizações filantrópicas
têm de entregar a Receita Federal nos EUA. Somente na América Latina, foram
alocados US$ 984 mil equivalente a R$ 3,9 milhões a organizações que seguem o
pensamento de liberais como Milton Friedman, Hayek e Mises,
e fazem oposição aos governos progressistas da região. É o caso de Cedice
Libertad, da Venezuela, e de organizações como a
norte-americana Human Rights Foundation,
criada pelo venezuelano Thor Halvorssen, primo de Leopoldo
López e filho de
embaixador durante o governo de Andrés Pérez, que mira em
especial os países com governos não-alinhados a Washington (Venezuela, Cuba,
Rússia) e que se tornou conhecida em 2015 por criar uma campanha para lançar
propaganda em território norte-coreano por meio de balões de gás.
A Atlas
por sua vez também é financiada por uma série de grandes corporações e outras
fundações. Empresas como Google, a gigante do
petróleo Exxon Mobil e organizações como a DonorsTrust [1], State Policy Network,
criada pelo empresário e conselheiro de Ronald Reagan Tom
Roe, e a Charles G. Koch Foundation [2], ligada às famigeradas Indústrias
Koch, são alguns dos nomes que colaboraram para que a Atlas, no
ano de 2014, doasse mais de 10 milhões de dólares pelo mundo.
Uma
revolução colorida para o Brasil?
É claro
que é motivo para fazer soar os alarmes: a direita liberal cresce
exponencialmente e combate num país com 31 anos de tradição democrática, de
abismos sociais no campo e nas cidades, onde um partido governou nos últimos 12
anos com apoio maciço e manteve alianças com governos populares da região. Até
a rua, historicamente monopolizada pela esquerda, foi tomada.
A isso se
somam outras estranhíssimas casualidades: o juiz Sérgio Moro, há pouco responsável pelas
fagulhas que incendiaram o país, fez em 2009 um “curso para potenciais líderes”
nos EUA, patrocinado pelo Departamento de Estado. É também notável o fato de
que no processo da Lava-Jato, somente
empresas brasileiras tenham sido atingidas, ainda que diferentes denúncias
contra companhias estrangeiras tenham sido feitas. Um dia após a aprovação do impeachment na Câmara dos Deputados o Senador Aloysio “quero ver ela sangrar” Nunes viajou para o quartel-general do poder
global: Washington.
Por lá,
conforme revelou o colunista Mark Weisbrot, no Huffington
Post, encontrou-se com o ex-embaixador dos EUA no Brasil e
atual “número três” no escalão do Departamento de Estado, Thomas
Shannon: “A disposição por parte de Shannon em
encontrar-se com Nunes alguns dias depois da votação do impeachment envia um poderoso sinal de que
Washington está com a oposição nesse empreendimento. Como sabemos disso? Muito
simples, Shannon não precisava ter comparecido a esse
encontro. Se ele quisesse mostrar que Washington estava neutro em relação a
esse feroz e altamente polarizador conflito, ele não teria se encontrado com
protagonistas notáveis de nenhum dos lados, especialmente nesse momento.”
Por fim,
para o ansiedade dos desconfiados e o choque dos distraídos, é importante notar
os laços que o Sr. Michel “quero jantar com Biden” Temer manteve com seus parceiros do norte.
Em 19 de Junho de 2006, por exemplo, Temer – à época
presidente do PMDB – encontrou-se com o cônsul-geral dos
EUA no Brasil, em São Paulo, e respondeu a perguntas em relação às eleições, os
candidatos, e seu partido. Diz o cônsul para Washington, em mensagem vazada
pelo Wikileaks em 2011: “Tratando do destino de seu
próprio partido, Temer confirmou que o PMDB não terá um candidato para a
Presidência, e não entrará em nenhuma aliança formal com o PSDB ou o PT. […] O PMDB continua rachado quase ao meio entre
grupos pró e contra Lula. O último busca
alianças com o PT e busca diversos ministérios na
segunda administração de Lula. Temer, que é anti-Lula, foi altamente crítico em relação à facção pró-Lula e falou com ironia em relação a
algumas das divisões e contradições internas do partido.”
Para o
cientista político e historiador Moniz Bandeira, os
alarmes dispararam há muito tempo. “Essas manifestações que começaram no ano
passado e antes da Copa não foram espontâneas. Foram preparadas
antecipadamente, com elementos treinados, agitadores treinados”, diz ele, que
em “A Segunda Guerra Fria”
(Civilização Brasileira, 2013), descreve em detalhes o papel de certas ONGs e think-tanks nas chamadas revoluções coloridas pelo
mundo. “O que é necessário no Brasil é que o governo faça como Putin:
obrigue o registro de todas as ONGs, o registro do dinheiro que recebem, de
onde recebem e como e onde aplicam.”
Moniz aponta como interesses norte-americanos a
prevalência do dólar como moeda global – segundo ele, ameaçada pelo BRICS – e a inexistência de potências no
continente. “É isto que os Estados Unidos não querem: que o Brasil tenha
submarino nuclear, eles não querem uma potência na América do Sul – ainda mais
ligada à China e à Rússia. E há um detalhe que o brasileiro não sabe: há uma
luta pela moeda de reserva internacional. Porque o fato de que os EUA detém o
direito de emitir o dólar o quanto queiram e ser o dólar a moeda internacional;
é aí que repousa a hegemonia dos EUA. E o que a China e Putin querem acabar é com isso – daí a
criação do modelo dos BRICS.”
Notas
[1]
organização que possibilita doações anônimas para a “causa da liberdade”,
criada pela Donors Capital Fund, considerada no relatório Fear, Inc uma das 10
maiores organizações contribuintes para o ódio contra islâmicos nos EUA)
[2] A Koch
Industries é uma empresa ligada ao setor do petróleo. Como Soros, os irmãos
Koch são famosos por financiar instituições e revoluções coloridas pelo mundo.