ESPIRITUALIDADES

“A hierarquia precisou vir depois, não a partir do Evangelho, mas apesar do Evangelho”. Artigo de Xabier Pikaza.


“No princípio, o movimento de Jesus não era hierárquico, mas messiânico; não promovia uma ordem sacerdotal, mas uma experiência de comunhão de todos, começando pelos menos importantes. Na raiz, o cristianismo continuou sendo o que era e assim pôde se expandir entre os novos povos, após a queda do Império Romano, mas aceitou e sacralizou, de fato, a distinção dos crentes em dois níveis dentro da Igreja”, escreve o teólogo espanhol Xabier Pikaza, em artigo publicado por Religión Digital, 28-08-2016. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Retomo a motivação de três dias atrás, meu trabalho na revista Iglesia Viva sobre o tema da desclericalização, clericalização e nova desclericalização da Igreja.

No último dia, tratei da desclericalização de Jesus, que não era sacerdote, nem ministro ordenado de espécie alguma, mas um simples homem, um ser humano, sem mais, mas anunciando e preparando a chegada da nova humanidade messiânica.

Tratei da primeira Igreja como movimento laical de fraternidade, a serviço dos pobres e excluídos, ensaio geral de uma humanidade igualitária, aberta a todos os homens e mulheres, a todos os povos.

Hoje, na forma de intermediário, ocupo-me brevemente da clericalização, que não veio por obra de Cristo, nem de seu Espírito (mas de outros princípios...), mas que foi providencial, pois ajudou a estabilizar e impulsionar a mensagem de Jesus dentro de algumas estruturas que vinham dadas pela cultura social de seu tempo.

Jesus não criou uma instituição eclesial, organizada de forma hierárquica, mas é evidente que a hierarquia precisou vir depois, não a partir do Evangelho, mas apesar do Evangelho, pois os movimentos de humanidade só funcionam dessa forma, como apontarei de um modo mais conciso.

Resta-me ainda a terceira parte, que publicarei, se Deus quiser, dentro de dois dias. Um bom final de semana a todos.

2. Intermediário, Grande Inversão

Após duas derrotas (67-70 e 132-135 d. C.), os judeus aceitaram de um modo consciente (e consequente) o fim do templo e de seus sacrifícios, chorando sua orfandade diante do Muro das Lamentações, para se instituir como federação de sinagogas livres, sem sacerdotes.

Os cristãos, ao contrário, apesar de manter o sacerdócio universal de todos os crentes, buscaram, mais tarde, “recuperar” alguns simbolismos sagrados e hierárquicos mais próprios de um tipo de Antigo Testamento e de política romana que do Cristo.

O tema foi esboçado a partir de 150, quando diversos grupos de tipos semignóstico, entre eles Marcião, tentaram separar o cristianismo de sua base israelita, convertendo-o em uma religião de experiência interior e organização intimista, mais próxima do budismo ou hinduísmo que da mensagem de Jesus. Contra isso reagiu a Grande Igreja:

a) Manteve sua origem judaica, reforçando alguns elementos sagrados da instituição sacerdotal de Jerusalém, de forma que os bispos e presbíteros passaram a se apresentar como sacerdotes, um grau superior de cristianismo.

b) Destacou sua independência, introduzindo em sua Escritura textos próprios (Novo Testamento) e reorganizando sua vida e liturgia a partir da Eucaristia ou Memória da Ceia de Jesus, entendida de forma sacrificial, em uma perspectiva na qual combinavam elementos judaicos e helênicos, em um processo que já estava em marcha a partir de 200 d. C.

- Sacralização sacerdotal, de fundo israelita: bispos, presbíteros (que antes eram ministros leigos) se assumiram como sucessores dos sacerdotes e levitas de Jerusalém, de maneira que a Igreja acabou sendo mais israelita que o rabinismo judeu, que abandonou a estrutura teocrática para instituir um governo colegiado de anciãos e rabinos, intérpretes da Lei.

- Ordenamento romano-helenístico. Esses “sacerdotes” cristãos passaram a ser como uma “classe” superior, na linha da “ordo” romana, com traços de pensamento helenísticos: os superiores (bispos, presbíteros) se assumem como sinal especial de Deus, diferentemente de Jesus, que dava preferência aos últimos. Esta hierarquização, com elementos de filosofia grega e política romana, marca a grande inversão do cristianismo, que culminou com o constantinismo (século IV d. C.) e com a reforma gregoriana (século XI).

Esta inversão evitou o risco de dissolução gnóstica do cristianismo, mas fez isto sob o peso de silenciar elementos importantes do Evangelho, como a sacralidade universal e igualitária de todos os crentes. No princípio, o movimento de Jesus não era hierárquico, mas messiânico; não promovia uma ordem sacerdotal, mas uma experiência de comunhão de todos, começando pelos menos importantes. Na raiz, o cristianismo continuou sendo o que era e assim pôde se expandir entre os novos povos, após a queda do Império Romano, mas aceitou e sacralizou, de fato, a distinção dos crentes em dois níveis (=ordens) dentro da Igreja.

Aqui mais notícias

O que não te contaram sobre a passagem de ônibus em Ubá

Conchavo entre Prefeitura de Ubá e COPASA pode ter propósito eleitoreiro.

Porque o contrato entre o município de Ubá e a COPASA é nulo.

Salário do prefeito de Ubá é 160% maior que do Governador do Estado de Minas Gerais.

O DESCASO DA COPASA COM UBÁ. SEGUNDO CAPITULO.