Austeridade-e-Retrocesso -PEC 241
“Espera-se que ao cabo deste documento, o leitor possa ao menos ter tido a oportunidade de questionar alguns conceitos que tinha como verdades absolutas, abrindo-se a explorar um universo de dúvidas que o conduzam para compreender melhor a complexidade do objeto econômico, ampliando a possibilidade de debate acerca dos rumos do Brasil para as próximas décadas”.
Todas as anotações a seguir estão entre aspas, por ser um uma colagem de partes do texto.
“Portanto, o novo regime fiscal é
desastroso pois, (i) do ponto de vista macroeconômico, representa um entrave ao
crescimento econômico e a atuação anticíclica do Estado, (ii) do ponto de vista
social significa a destruição da constituição de 1988 e um arroxo nos serviços
sociais especialmente educação e saúde e (iii) do ponto de vista político esse
retira o poder do congresso e da sociedade de moldar o tamanho do orçamento
público e, de forma antidemocrática, impõe um novo pacto social – sem legitimidade
social - em torno de um Estado mínimo”.
“O paralelo com
a economia da dona de casa não serve para as finanças públicas”.
“Em segundo lugar, é importante que se
esclareça que nossa carga tributária não cresce desde 2005, tendo oscilado entre 32% e 33% do PIB há mais de uma década”.
“Em artigo de junho de 2016
intitulado “Neoliberalism: Oversold?”I, economistas do FMI fizeram duras críticas à
austeridade fiscal ao afirmar que essas políticas se tornam um empecilho ao próprio
crescimento econômico e, consequentemente, à arrecadação tributária e assim ao
alcance das metas fiscais”.
“Obsessão
alarmista contra qualquer elevação da dívida pública esconde uma agenda
política a favor dos grupos financeiros e internacionais travestida como
uma questão meramente técnica, seja ao defender a retração de bancos públicos,
seja ao sugerir redução dos gastos sociais”.
“Contra a justificativa keynesiana para
a política anticíclica, economistas neoclássicos recorreram à hipótese de
expectativas racionais para criticar o aumento do déficit em quaisquer
circunstâncias. O ataque neoliberal à política fiscal anticíclica foi levado a
seu grau superior com a hipótese de “austeridade fiscal expansionista”, que argumenta
que, assim como o aumento do gasto público poderia levar à retração mais que proporcional
do gasto privado, o corte do gasto público levaria à ampliação mais que
proporcional do gasto privado. No entanto, essa mediação é muito frágil”.
“(quase) ninguém acredita mais no que Paul Krugman chamou de
“fada da confiança” (confidence
fairy). Empresários não
investem só porque o governo fez ajuste fiscal, mas quando há expectativas de
lucro e demanda para o seu produto, da mesma forma as famílias não consomem mais
por que o governo fez ajuste fiscal, mas quando há aumento de renda disponível
e estabilidade no emprego”.
“A reversão da atual crise econômica
brasileira depende de um trabalho coordenado, de vários fatores políticos e
econômicos que superam em muito o escopo deste documento. No entanto, a questão
que cabe colocar aqui é que existem alternativas ao inadequado regime fiscal
brasileiro que auxiliam a retomada do crescimento.”
“Retirar todo
investimento público do cálculo do superávit primário (assim como o gasto com
juros é excluído desse indicador) pode ser uma alternativa interessante para o
regime fiscal brasileiro, pois incentiva o uso do investimento público como
vetor de desenvolvimento e abre espaço para atuação anticíclica do gasto
público.”
“São diversas
as razões para os elevados níveis de taxas de juros no Brasil. Estas passam
pela estrutura oligopolizada do mercado financeiro e uma cultura curto prazista
que se formou pelo menos desde o período de hiperinflação; até o modus operandi
da política monetária, que utiliza a taxa Selic como principal (e quiçá o
único) instrumento de controle da inflação. Há de
se ressaltar que a taxa de juros tem um forte viés político, sendo tanto
maior quanto mais refém forem as autoridades
monetárias do setor financeiro.”
“Por outro lado, as consequências das
altas taxas de juros são drásticas, como o elevado custo médio da dívida
mobiliária interna. Uma simulação simples indica que uma redução de apenas 3
pontos percentuais da taxa de juros geraria uma economia para os cofres públicos
da ordem de 1,9% do PIB na conta de juros”.
“Em suma, é preciso desatar o
nó da gestão macroeconômica se o verdadeiro objetivo for equacionar os
problemas fiscais. A ideia que se disseminou no Brasil de que ao governo só
compete controlar os gastos primários, não havendo nenhum limite para os custos
fiscais das demais políticas macroeconômicas, deve ser revista sob pena de continuarmos “enxugando
gelo”, como criticou anos atrás uma certa ex-ministra do governo Lula ao se referir à proposta de ajuste fiscal de um ex-ministro da Fazenda”.
“Mesmo porque desatar o nó
da gestão macroeconômica envolve, entre outros desafios, remover alguns dos
obstáculos estruturais ao crescimento da economia brasileira, como os juros
altos e a precariedade dos mecanismos de financiamento do investimento de longo
prazo. Sem crescimento fica muito mais difícil promover qualquer ajuste fiscal,
como argumentaremos mais adiante.”
“O diagnóstico convencional da crise
pela qual passa o país, do ponto de vista econômico e fiscal, traduz-se
simplificadamente na seguinte narrativa: os governos do PT expandiram demais os
gastos públicos, principalmente depois da crise internacional, encobriram o
déficit público crescente por meio da chamada “contabilidade criativa” e das
“pedaladas fiscais”, e esse tipo de política fiscal expansionista e nada
transparente destruiu a confiança do mercado e mergulhou o país na estagflação.”
“Numa comparação internacional, o
crescimento dos gastos sociais no Brasil inclusive foi menor do que outros
países XVII nos últimos anos”.
“Como mais de 50% dos gastos da previdência
são benefícios pagos no valor de um salário mínimo e sabendo que esta despesa
perfaz algo em torno de 8% do PIB.”
“Publicado em 1943, a inquietude
principal do texto permanece atual: o
pleno emprego não convém ao grande capital. Infelizmente, aprendemos muito
pouco com as lições do passado, e nossos líderes de esquerda muitas vezes
contribuem para a disseminação do senso-comum ao adotarem o discurso – e as
políticas – que pertencem à ortodoxia econômica”.
“A gestão da
política fiscal protagonizada pelo governo Temer lançou sinais contraditórios
com relação à continuidade das políticas de austeridade. Para o curto prazo
definiu-se o “keynesianismo fisiológico” e para o longo prazo, a “austeridade
permanente”.
“O que sim surpreende é uma visão no mínimo simplista sobre
as práticas políticas no nosso país, as quais os integrantes do Governo Temer
conhecem muito bem. Dada a maneira como, infelizmente, opera nossa estrutura
política, o processo decisório é muitas vezes capturado em favor de grupos mais
organizados e de maior poder econômico e em detrimento da parcela mais expressiva
da nossa população, que são os principais beneficiários dos sistemas públicos
de saúde e educação”.
“É exatamente por admitir que os
interesses dessa população mais carente estão subrepresentados no dia a dia da
nossa política que os nossos constituintes preocuparam-se em estabelecer regras
de gastos mínimos de saúde e educação que evitassem perda de relevância dessas
despesas ao longo do tempo. Garantir que os
gastos com saúde
e educação aumentem conforme o país cresce é um dever cívico que o novo regime fiscal menospreza”.
“Por fim, chama a atenção a falta de
preocupação em limitar gastos que não aparecem no orçamento primário, como os
elevados
montantes de juros – diante do simplório (e equivocado)
argumento dos defensores da proposta de que estes cairiam automaticamente
sob o novo regime fiscal”.
“Portanto, o novo regime fiscal é
desastroso pois, (i) do ponto de vista macroeconômico, representa um entrave ao
crescimento econômico e a atuação anticíclica do Estado, (ii) do ponto de vista
social significa a destruição da constituição de 1988 e um arroxo nos serviços
sociais especialmente educação e saúde e (iii) do ponto de vista político esse
retira o poder do congresso e da sociedade de moldar o tamanho do orçamento
público e, de forma antidemocrática, impõe um novo pacto social – sem legitimidade
social - em torno de um Estado mínimo”.
“O Brasil é um dos países em
desenvolvimento com uma das maiores cargas tributárias do mundo, que alcançou
32,7% do PIB em 2013, fato este que é frequentemente lembrado por aqueles que
criticam o tamanho do Estado brasileiro. Contudo, mais preocupante do que o
nível da carga tributária brasileira, que pode ser justificado à luz do estado
de bem-estar social que viemos construindo sob inspiração das social-democracias
europeias, nossa estrutura de tributação é extremamente perversa com os mais
pobres e a classe média e benevolente com os mais ricos”.
“Coincidentemente, nossa carga
tributária está apenas um pouco abaixo da média de 34,1% do PIB nos países da
OCDE, mas, ao contrário de lá, onde os impostos sobre a renda e a propriedade
são a principal fonte de financiamento estatal (em média, 13,4% do PIB) e a tributação
sobre bens e serviços é inferior a um terço da carga (11,2% do PIB), aqui no
Brasil quase metade da carga advém de impostos sobre bens e serviços (15,4% do
PIB) e os impostos sobre a renda e a propriedade não chegam a um quarto do total
(8,1% do PIB)”.
“Além
de arrecadarmos pouco sobre a renda e a propriedade, o fazemos de modo pouco
progressivo e também ineficiente, por exemplo, tributando muito o lucro gerado
pela empresa e isentando os dividendos distribuídos às pessoas
físicas, sócias ou acionistas,
justamente quando poderíamos diferenciá-las de acordo com a capacidade contributiva de cada uma, como ocorre com a tributação dos salários”.
“O Brasil foi
um dos primeiros países e até hoje um dos poucos que isentou e continua
isentando integralmente de imposto de renda os dividendos distribuídos a
acionistas, tal como a pequena Estônia. México e Grécia, que também aplicavam a
isenção, voltaram atrás há alguns anos, enquanto a maioria dos países
desenvolvidos (incluindo os Estados Unidos) mantém, com alguns ajustes e modificações,
o sistema clássico de tributação do lucro, que prevê a cobrança em duas etapas,
na empresa e depois na pessoa física”.
“Em média, os
34 países da OCDE tributam o lucro em 25% na pessoa jurídica e em mais 24% na
pessoa física. No Brasil, a tributação do lucro varia com o porte da empresa e
pode a chegar a 34% entre imposto de renda (IRPJ) e contribuição social (CSLL),
mas os dividendos distribuídos aos acionistas das empresas (grandes ou
pequenos) estão completamente isentos desde 1996”.
“Outra peculiaridade relevante no Brasil
que reduz o potencial arrecadatório e redistributivo do imposto de renda são os
elevados volumes de subsídios na forma de deduções aos gastos privados em saúde
e educação. Tais deduções no IRPF chegaram a R$ 69,35 bilhões em 2013 ou 60% do imposto devido total”.
“Além de injusta, a assimetria entre o tratamento
tributário dispensado a dividendos e salários tem sido responsável por um
fenômeno conhecido por “pejotização”, que é a constituição de empresas por profissionais
liberais, artistas e atletas com o objetivo de pagar menos impostos do que como
autônomos ou assalariados. Isso é possível
em virtude de
regimes tributários especiais aplicados a micro e pequenas empresas, que reduzem a tributação total a no máximo 16% do
faturamento e, conjugado
com a isenção de dividendos, garante uma expressiva vantagem na comparação com a alíquota máxima do imposto de renda das pessoas físicas (27,5%). Ao mesmo tempo que significa a perda de receitas, esse fenômeno
precariza as relações trabalhistas”.
“Então, qualquer proposta de reforma do
imposto de renda que não passe pela tributação dos dividendos não será tão efetiva
nos objetivos de contribuir com uma maior justiça fiscal e também gerar receitas
extras para o governo”.
“É claro que o êxito seria maior se a
tributação dos dividendos fosse complementada por medidas adicionais de
tributação progressiva sobre a renda e o patrimônio, como a revisão das
alíquotas do IRPF e do imposto sobre herança (ITCMD) ou mesmo a instituição do
imposto sobre grandes fortunas (IGF). Tais medidas são positivas em seus
objetivos, mesmo que seus impactos arrecadatórios possam ser mais modestos. Em
segundo lugar, é importante que se esclareça que nossa carga tributária não cresce desde 2005, tendo oscilado entre 32% e 33% do PIB há mais de uma década”.
“Porém, deve-se manter o objetivo democrático
de construir e aperfeiçoar o Estado Social, ao contrário das medidas em discussão
que visam sua desconstrução e a deturpação da Constituição de 1988”.