08 de setembro: aniversário da Irmã Marisa Costa.

08 de setembro, dia do aniversário da Irmã Marisa Costa. Seria um dia de visitas a sua residência. Durante muitos anos, no dia anterior, sete de setembro, a maioria de nós, membros da Pastoral Operária, juntamente com familiares, passávamos o dia juntos viajando para a Romaria dos trabalhadores e das trabalhadoras à Basílica de Aparecida-SP. E no dia seguinte, quando não havia a coincidência de reunião em nenhum dos grupos, uma representação  dos grupos visitava-a em sua residência, onde rezavam em agradecimento a Deus pela sua vida e pelo o seu compromisso com a causa da libertação dos Pobres.

“Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Este era o lema que a Irmã Marisa adotou para a sua vida religiosa.  Nos momentos de partilha ou  revisão de vida, método basilar nos grupos da Pastoral Operária, Ela sempre dizia que após impactada pelas resoluções do Concílio Vaticano II e das Conferências Episcopais Latino americanas de Medellín e Puebla, solicitou a autorização da Congregação e do Bispo Dom Reis, da Diocese de Leopoldina, para transferir  a sua atuação do colégio para  evangelizar meio dos pobres.

Foi fixar residência no Bairro São Domingos para aproximar da realidade das comunidades e principalmente das pessoas que lá moravam. Me lembro dos encontros das Comunidades Eclesiais de Base que eram realizados na capela do Bairro São Domingos. Tudo que se refletia e vivenciava nas diversas comunidades e nos grupos de CEBs da região era partilhado e celebrado mensalmente nas tardes do domingo sob a animação a Irmã Mariza: Reflexão do Evangelho, cantos, partilha da vida e partilha da merenda, sendo todos eram convidados a levar algo para colocar sobre a mesa comum.

A Irmã Marisa animava grupos da Pastoral Operária nos bairros São Domingos, Vila Casal, Bairro da Luz e Agroceres, Bairro Meu Sonho e Bairro Eldorado. As reuniões eram semanais, cada dia num bairro, e o seu deslocamento era de ônibus. Fazia questão de chegar mais cedo no bairro para visitar as famílias  de cada um dos membros dos grupos antes das reuniões noturnas. Uma vez quando Ela estava indo para a minha casa foi mordida por uma cadela no caminho. Lavou o local com água e sabão, participou da reunião que aconteceu na casa do so Pedrinho - Pedro de Paula Pacheco - e só foi ao hospital após a reunião.  Se preocupava com todos. No início de qualquer atividade, fazia parte da sua metodologia, partilhar sobre a vida dos participantes: Como está no trabalho; sobre os filhos e sobre as lutas diversas. Também não podia faltar os cantos:  Seus preferidos: o Magnificat. “Virá o dia em que todos ao levantar a vista veremos nesta terra reinar a liberdade" ... e Momento Novo “ Quando espírito de Deus soprou o mundo inteiro se iluminou”....O convite para os encontros era através de carta nominal a cada um dos participantes, entregue em mãos. E  tinha os telefonemas para confirmar. Quem não tinha telefone, a maioria, recebia o recado através dos telefones dos vizinhos. Os grupos da Pastoral Operária eram espaço privilegiado de formação Humana, Eclesial, Bíblica, Sindical, Política etc, e aos domingos além das celebrações, aconteciam os encontros para reforço da formação e das partilhas diversas.

Foi muito importante na minha vida conhecer a história do povo de Deus através de dois cursos realizados na Igreja do Divino Espírito Santo de Ubá, ainda nos saudosos anos 80: A História do Povo de Deus e visão geral da Bíblia. Padre Sebastião Jorge Corrêa e Agenor Marques Sereno Neto foram dois importantíssimos colaboradores neste processo. Sereno, na fundação dos sindicatos, das associações comunitárias e nas capacitações. Padre Sebastião era pároco do Divino Espírito Santo, e se fazia presente em todos os encontros de formação. Mais a frente ele foi o Assessor espiritual da Pastoral Operaria de Minas Gerais. Irmã Marisa fazia questão de dizer repetidas vezes o quanto ela aprendia com o povo.

Nos meus primeiros anos na Pastoral Operária, nos Instigantes anos 80, só se falava do Documento 40 CNBB: Igreja: Comunhão e Missão na Evangelização dos Povos, no Mundo do Trabalho, da Política e da Cultura. Em anos anteriores da Década de 1980, as CEBs, os Leigos , a juventude e a reforma da constituição, todos estes assuntos  já haviam sido  tema da Assembleia Geral da CNBB com  as consequentes repercussões na base da Igreja no Brasil. Mas pra mim, na medida que foi crescendo no entendimento, fui capaz de perceber a aplicação do Documento 40 na nossa vivência e prática cristã, católica em Ubá, e porque não dizer na Diocese de Leopoldina, e muito em razão da abnegação da Irmã Marisa que literalmente colocava o Pé no barro para motivar a nossa formação e participação.

Por falar em pé no barro, como foi imprescindível a colaboração da Irmã Marisa para a organização das associações comunitárias em Ubá. Hoje são mais de 40 associações organizadas e autônomas e uma Federação que foi criada para articular a luta comum. Muitas das lideranças formadas neste processo de nucleação das pastorais sociais ocupam lugar de destaque nas associações e consequentemente nos conselhos de Políticas Públicas. Poucos ainda têm lembrança de como era a realidade de moradia dos trabalhadores e trabalhadoras nos principais bairros de Ubá. E o pior é que a solução era sempre paga(R$) pelos mais pobres. Isso mesmo, paga pelos moradores, que além dos impostos, se cotizavam para ter acesso ao calçamento das ruas, iluminação e rede de esgoto. E com a organização das associações estes desafios foram sendo superados. Ver Aqui: entrevistas de diversas lideranças sobre a realidade das periferias de Ubá neste período.

O seu lema de vida religiosa “Eu vim para que tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10,10). É o último versículo do Evangelho de João 10,1-10. A Bíblia de Jerusalém diz que é o Evangelho do Bom Pastor. Tomaz Hughes, em texto publicado no sítio do CEBI diz que as imagens do texto são por demais conhecidas. São de conhecimento comum as imagens mostrando Jesus como o Bom Pastor. Segundo Tomaz Hughes, Cumpre a nós assumir a continuidade da sua missão, entregando a nossa vida na luta diária para a criação de uma sociedade mais justa e humana, portanto divina. Somente assim seremos fiéis àquele que veio “para que todas as pessoas tenham a vida e a tenham em abundância”. Por isso, a fé exige participação social, e engajamento nas lutas contra a destruição dos direitos dos trabalhadores e por uma vida plena para todas as pessoas. E foi assim que a Irmã Marisa viveu, ou seja, gastou parte do seu tempo e da sua vida na evangelização no mundo dos trabalhadores(as).

O Teólogo Rogério Ignácio de Almeida Cunha[1], Assessor Nacional da Pastoral Operária e do CEBI, in memoriam, fazia referências muito positivas à atuação da irmã Marisa no mundo trabalho na Região de Ubá. Rogério dizia que neste período era muito comum, nas diversas regiões do Brasil, a criação de estruturas paralelas com financiamento externo, seja de produção cooperada ou para formação, acreditando que estas facilitariam o trabalho. E que a Irmã Marisa não que se ocupou deste expediente. Desempenhou a sua missão exitosa entregando o seu esforço pessoal, seu cansaço, sua espiritualidade, seu tempo, sua sabedoria e o desgaste do seu corpo e da sua saúde. As pequenas necessidades materiais para a realização do trabalho eram compartilhadas com os próprios trabalhadores(as) e com as paróquias.

Pedro A. Ribeiro de Oliveira,[2] Em sua análise da conjuntura de dezembro de 2018, fez algumas indicações com implicações práticas para quem se identifica com as lutas das classes trabalhadoras, dos povos originários e dos grupos socialmente discriminados. Ele disse que temos que voltar às bases e dedicar-se ao trabalho direto, pessoal, para fazer conscientização e organização. Bases são os grupos de solidariedade pessoal (família, vizinhança, igreja, de amizade, de trabalho, associação por afinidade e outros) onde as relações pessoais se revestem de laços afetivos (e não necessariamente grupos populares). A esses grupos devemos nos voltar, agora, cada qual para aqueles onde é bem recebido ou recebida, sempre dando prioridade aos grupos formados por gente pobre, vulnerável ou jovem. Trata-se de ir a essas bases para retomar o trabalho de educação política, isto é, de conscientização e de organização, sabendo que ele exige capacitação e que leva tempo. É deste modo, porque ela viveu assim, praticando o que o texto indica, que a Irmã Marisa continua viva, referenciando e encorajando-nos para a caminhada.

Irmã Marisa contribuiu efetivamente para a fundação dos sindicatos dos marceneiros; dos servidores públicos municipais e dos comerciários. No ano de 2003 a Federação das Associações Comunitárias dos Bairros e Distritos de Ubá - FEMAC criou o Título Imã Marisa Costa Mulher Cidadã, para reconhecer e estimular mulheres que atuam no movimento popular e comunitário. A entrega o Título acontece sempre na semana do dia 08 de março.

No dia 07 de agosto de 2020, em meio a Pandemia da COVID 19 a Irmã Marisa fez sua páscoa, virou semente e voltou para a casa do Pai. Nos deixou, e por causa das restrições impostas para a contenção da COVID 19 ainda não tivemos a oportunidade de realizar a nossa reunião de despedida com a partilha da vida, das lutas, das música e da merenda.

Claudio Ponciano - Agente da Pastoral Operária - Grupo de Base Bairro Luz e Agroceres/Ubá-MG

Vereador 2005 a 2011 - Secretario de Saúde de Ubá  e de Eugenópolis - MG.

Fotos: Ana Maria Maurício e UFSJ - sítio. 


[1] Rogério Cunha foi padre salesiano, teólogo, educador e estudioso de Paulo Freire. Também atuou como colaborador em diversas publicações religiosas, além de ter trabalhado na Pastoral Operária.

[2] Leigo católico, doutor em sociologia, ex-professor nos Programas de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora e da PUC-Minas.

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