O SANEAMENTO BÁSICO E A ESPIRITUALIDADE


No ano de 2005, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, a Convenção de Igrejas Evangélicas da Suíça, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e a Conferência dos Bispos da Suíça assumiram um manifesto conjunto em favor da água como direito humano e bem público.


A Bíblia é uma revelação progressiva. Mesmo antes da revelação plena que veio através de Cristo, profetas já anunciavam aspectos importantes de caridade e da justiça. No conjunto da Escritura, a mensagem vai se encaminhando na direção dos valores do Reino de Deus, depois amplamente explicitados por Jesus. O bem comum desejado por Deus é o grande objetivo.


Os textos bíblicos tratam da relação das pessoas entre si, como tratar os outros de maneira fraterna; da relação com Deus, isso significa organizar a vida respeitando o bem que Deus quer para nós todos; da relação com a natureza, percebida com dom de Deus, a ser cuidada; e da relação com os bens materiais, que devem ser distribuídos de forma justa e utilizados para construir uma coletividade com mais igualdade, ao invés de serem utilizados para suprir a ganância de alguns.


A época do reinado de Jeroboão II foi de grandes avanços econômicos e de muita prosperidade para o rei, para a nobreza e para os grandes proprietários. A religião oficial favorecia estes novos empreendimentos comerciais. Mas, surgem as desigualdades e a degradação do meio ambiente. As casas dos camponeses são espoliadas pelo poder central, que lhes tira o sustento através dos dízimos e impostos.


Amós fundamenta sua pregação profética numa denúncia social aguda, chamando a atenção para um progresso econômico que não se traduzia em igualdade e justiça para todos. Sua denúncia aponta para uma situação de caos social, onde as relações afetivas estavam se rompendo e a fé em Deus estava sendo manipulada pela religião oficial (cf. Am 2,6-8). Amós afirma que a situação social do povo é importante para Deus e que o culto se torna vazio e mentiroso se as pessoas vão aos templos, oferecem sacrifícios para Deus, mas permitem que a injustiça degrade a vida dos pobres (cf. Am 5,21-25).


Isaías diz que quando houver de fato justiça, “o meu povo se estabelecerá em um remanso de paz” (Is 32,18). Oseias também afirma que Deus quer fraternidade, mais do que homenagens; Miqueias diz que Deus exige respeitar o direito e amar a fidelidade. Garantir direitos essenciais para a vida humana de todos e cuidar bem do planeta são partes fundamentais dessa justiça que os profetas proclamam como vontade de Deus (cf. Os 4,1-3).


Oséias faz uma estreita ligação entre a integridade da criação de Deus e as atividades socioeconômicas, e adverte que a corrupção e a violência da sociedade humana estão destruindo a ordem e a harmonia da criação de Deus.


As ações humanas degradantes e violentas colocam em risco a integridade da casa comum. Isaías proclama que a justiça e a fidelidade a Deus se revelam em desatar os laços provenientes da maldade, desamarrar as correias do jugo, dar liberdades aos curvados. A prática da justiça significa também repartir o pão com o faminto, acolher em casa os pobres sem teto, vestir quem está sem roupa, não recusar ajuda ao próximo (cf. Is. 58,6-8).


Os profetas deixam bem claro que a fidelidade a Deus tem tudo a ver com o cuidado que temos de ter uns com os outros e com os dons da natureza que Deus criou.


A harmonia do ser humano com o meio ambiente aparece bastante na Bíblia como símbolo da vida gratificante que Deus planejou para nós; assim revela a descrição poética de como deveria ser o mundo, no jardim do Éden. Temos a tarefa de sermos jardineiros de um jardim que reflete a harmonia desejada de Deus. Essas passagens iniciais da Bíblia ressaltam a importância do cuidado humano pela integridade da criação.


Na nova Jerusalém do Apocalipse, temos de novo um símbolo que evoca a natureza como fonte da Vida: um rio de água vivificante, e também reaparece a árvore da vida, que dá fruto doze vezes por ano. 


A água, limpa e potável, também aparece muito como símbolo da vida digna e presente de Deus, como a água que Moisés fez brotar no deserto. Jesus usa esse símbolo quando se anuncia à samaritana como “fonte de água viva”. A água e a natureza bem cuidadas são sinais de presença de Deus e apelos de fidelidade à missão que a humanidade recebeu do criador. Nesse espírito interpretamos o simbolismo da água nos ritos de purificação do Primeiro testamento e no Batismo. A água batismal significa a nossa purificação e a nova vida que Deus está nos oferecendo. 


Ao longo de sua caminhada, o povo foi descobrindo e estabelecendo normas de higiene e limpeza para que a comunidade humana fosse um reflexo desta harmonia, com atitudes a serviço do projeto de Deus:


a. Organizar a comunidade para que resolvam seus problemas (cf. Ex 18,13-27)


b. Manter a limpeza do acampamento (Dt 23,13-14). A imagem bíblica do “inferno”, a Geena, lembrava o depósito de lixo da cidade de Jerusalém (Mc 8,48).


c. Cuidar e tratar da água a ser consumida (Lv 11,36). Moisés purifica as águas amargas tornando-as potáveis (Ex 15,23-25), e Eliseu resolve o problema de abastecimento de água para a cidade de Jericó (cf. 2Rs 2,19-22). Foi sentado junto ao poço de Jacó que Jesus conversou com a samaritana sobre a água viva (Jo 4,1-26).


d. Saber comer alimentos bons. No Jardim do Éden havia ervas que produzem sementes e árvores que dão frutos bons em abundância (Gn 1,11-12). Devemos aprender com Jesus e evitar todo desperdício de alimentos (Jo 6,12).


Eliseu purifica comida contaminada, verdadeiro veneno na panela (cf. 2Rs 4,38-41),


e. Repartir com os pobres. A lei preservava o direito dos pobres em recolher as sobras das colheitas (Dt 24,19-22)


f. Cuidar das árvores e bosques. Respeitar as árvores frutíferas (cf. Lv 19,25), pois seus frutos servem de alimento e suas folhas de remédio (Ap 22,2).


g. Respeitar e remunerar bem o trabalho alheio. O salário deve ser pago em dia, e no caso do pobre, no mesmo dia, antes que o sol se ponha para que possa se alimentar (Dt 24,14-15; Tg 5,1-6)


h. Saber descansar. O dia sagrado do descanso deve ser observado (cf. Ex 20,8-11), inclusive a terra cultivada precisa de um sétimo ano de descanso (cf. Lv 25,2-7).


Saneamento básico e prática da justiça Amós compara a prática da justiça com uma fonte que jorra água limpa e com um rio perene, que não seca. A justiça não pode interromper seu fluxo, não pode ser um regato que desaparece (Am 5,24). A justiça aponta para a nossa relação com Deus e com o nosso próximo, com o meio ambiente e conosco mesmos. O ser humano justo é aquele que acolhe esses relacionamentos e que zela por eles.


O profeta usa estas imagens como parábola, apontando a necessidade constante de direito e justiça como valores imprescindíveis para manter a harmonia e a felicidade na sociedade humana. A água sempre foi um bem muito precioso na Palestina. É por isso que os recursos hídricos são considerados fonte de vida e dádiva preciosa de Deus.


Como a água é um bem limitado, ela deve ser usada com muita responsabilidade. Viver com justiça na perspectiva da criação significa que todas as pessoas precisam ter acesso aos bens necessários para viver. É dessa visão que se origina a percepção dos direitos iguais para todas as pessoas aos bens da terra.


Em sua crítica social, o profeta denuncia a elite econômica e política de sua época por construir suas ricas mansões e viver num consumismo cheio de luxo à custa do meio ambiente e das famílias camponesas que estavam se tornando cada vez mais pobres. Os ricos construíam suas casas nas partes altas da cidade, e as chuvas lavavam as sujeiras e dejetos para as partes baixas, onde moravam os pobres.


Isso nos ajuda a refletir sobre a coleta de resíduos sólidos em nossas cidades e na maneira de tratarmos o lixo.


Em muitas cidades o lixo e a sujeira geralmente se acumulam nos bairros pobres, enquanto os bairros nobres são beneficiados com o sistema público de saneamento básico. Amós condena severamente aqueles que vivem num luxo irresponsável, à custa do trabalho dos outros.


O bem-estar de todos os habitantes de um lugar deve ser o objetivo maior de todo o serviço público. Não se pode alcançar o bem-estar da comunidade se cada pessoa buscar apenas lucro fácil e rápido, desviando as coisas que são bem comum para seu proveito próprio. O sistema social como um todo sofre e como consequência, cada um de seus membros também sofre ( cf. Os 4,1-3). Se cada pessoa ou comunidade, além de vigiar e controlar as ações das autoridades, também assumir a sua parte na responsabilidade em preservar e cuidar do meio ambiente, haverá melhores condições para o bem-estar coletivo.


As palavras dos profetas vem alertar as Igrejas para os males que afetam a vida das pessoas e da sociedade. Um dos papeis da religião é cuidar do bem-estar das pessoas. Amós alerta que não é suficiente investir em belas e vistosas celebrações, garantir rituais caríssimos. As Igrejas devem assumir também o papel de educadoras das pessoas e comunidades, tendo em vista o bem comum. Oseias acusa sacerdotes e profetas de não instruírem o povo no “conhecimento de Deus” Denunciava que eles não ensinavam as leis e os mandamentos de Deus, insistindo numa religiosidade de fachada.


O povo nem sempre se mantinha fiel às orientações dos mandamentos e rompia esse pacto de aliança com Deus. As consequências dessa ruptura foram a violência, as disputas por poder e destruição. Ainda hoje podemos dizer que Deus não se agrada das ricas e pomposas cerimônias quando elas desviam a atenção do povo. Jesus de Nazaré, denunciando o ritualismo e a legislação que privilegiava os puros e marginalizava os impuros, proclama “felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados". Diante de um discurso religioso que excluía os doentes, Jesus anuncia a graça e assume a posição clara de solidariedade com as pessoas discriminadas, criticando, dessa forma, tudo o que promovia a exclusão.


Aprofundando a mensagem dos antigos profetas, Jesus se revela como alguém que busca a verdadeira justiça e que sofre com as injustiças. Sabe acolher o sofrimento revelado pelos rostos dos marginalizados e responde aos seus anseios apontando caminhos para a superação da dor e do desprezo.

Seu conceito de justiça, para além de qualquer doutrina ou dogma, aponta para a solidariedade ao pequeno e humilde. É por isso que Jesus estava sempre ao lado das pessoas consideradas pecadoras. Um dos aspectos importantes da justiça que Deus quer ver entre nós é a solidariedade incondicional com os pobres.


Vivemos numa sociedade urbana organizada em torno dos princípios da economia de mercado. Este sistema, que privilegia o individualismo e o consumismo e que insiste em converter tudo, inclusive os bens primordiais da água e da terra, em mercadoria, torna-se um dos grandes adversários da proposta profética. Por isso, ele pode e deve ser criticado pela pregação analítica das igrejas.


Somos chamados e chamadas a refazer nossas relações sociais e ambientais seguindo a prática libertadora de Jesus de Nazaré, para superarmos todas as barreiras que nos dividem, cuidando do próximo por inteiro. Pelo Batismo, somos chamados a viver como uma grande família, onde as discriminações e preconceitos sejam superados. A vida plena, que Jesus veio nos oferecer deve estar à disposição de todos.


Ouvindo as diversas tradições


A questão das relações justas entre seres humanos entre si e para com o meio ambiente diz respeito não apenas às igrejas, mas a toda a humanidade. Os cristãos têm, a partir de suas tradições, uma grande contribuição a dar. Mas devem trabalhar unidos e também em parceria com os que, fora de sua fronteira religiosa, querem o bem da humanidade e a preservação saudável do planeta.


O Papa Francisco insiste que a igreja de Cristo deve ser pobre para os pobres. Na Encíclica Laudato Si ele diz que o amor cheio de pequenos gestos de cuidado mútuo é também civil e político. O amor social é a chave para o desenvolvimento autêntico. (LS n. 232). Como nem todos são chamados para trabalhar de forma direta na política, podem se engajar em ações comunitárias. Na Exortação Apostólica Evangelium Gaudium, o Papa Francisco retoma o que ele mesmo chama de “expressivo e profético lamento” dos bispos católicos das Filipinas, que denuncia a destruição da criação divina.


Outro exemplo vem dos povos indígenas do Brasil. O pastor Frank Tiss, que trabalhou junto com os grupos do povo Kulina, no sul do estado dos Amazonas, relata que, como os cristãos, os kulina concordam que vale a pena dedicar-se ao que é eterno e que o nosso coração fica sempre perto daquilo que para nós tem mais valor. Para eles, bem viver significa viver em paz e harmonia com os familiares, com os demais membros da comunidade, com a aldeia e com todo o ambiente.


O Pastor Dietrich Bonhoeffer dizia que o desafio para todas as pessoas que creem em Jesus Cristo é o do empenho na oração e na prática da justiça. No Tibete, o 14° Dalai Lama já havia observado: “A compaixão e o amor não são meros luxos. São fundamentais para a sobrevivência da nossa espécie”. No século XI a.C., Lao Tse, figura importante do Taoísmo afirmava que “aqueles que têm maior poder e riqueza tratam o planeta como algo a ser possuído, a ser usado e abusado, (...) mas o planeta é um organismo vivo e cada um de nós é uma parte desse organismo."


As religiões de matriz africana nos ensinam que, no universo, tudo tem vida, tanto as coisas orgânicas quanto as inorgânicas. Ensinam ainda que tudo está ligado a tudo, formando uma só unidade. Cuidar de cada pessoa, da natureza e das manifestações de vida é também cuidar de si mesmo. Tudo é um só corpo alimentado por ar e água. 


Estamos sabendo valorizar os dons de Deus, percebidos na riqueza dos recursos naturais e na preciosa vida de todos os irmãos, que o Criador nos deu? A fidelidade a Deus precisa se manifestar na preservação de tudo o que é necessário para que a grande família humana possa viver com dignidade e justiça em um ambiente bem cuidado. Não basta ter um bom discurso, o importante é entrar em ação, transformando o mundo do modo como Deus deseja.

Resumo do Texto-Base da Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016

Tema: Casa comum, nossa responsabilidade.

Lema: “Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca”. (Am 5,24)


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