Orgulhosamente explorados pela Rede Globo.
A
rede Globo de televisão tem escalado todos os seus medalhões do jornalismo, nos
quatro cantos do país, para convencer a multidão de 100 milhões de telespectadores
a produzir conteúdo gratuito pra ela. A Campanha intitulada “o Brasil que eu
quero” solicita vídeos de 15 segundos, gravados com o celular na horizontal,
feitos diante de lugares “bonitos” ou importantes ou históricos de cada cidade.
Desde o seu lançamento às criticas tem sido fundadas em dois
argumentos principais que são: a insistência para que sejam lugares “históricos
e bonitos”, quando parte da população tem preferido fazer a denuncia das mazelas
mais urgentes e imediatas. E a desconfiança, simplista até, que a globo quer formar
um cadastro para usar na campanha do Luciano Huck ou do ser candidato.
Pelo
que eu li desde o lançamento da campanha, não aparece nas criticas dos
internautas, aquilo que eu penso ser a “novidade” mais sutil e perversa da
campanha, que é a exploração do trabalho, e a consequente lucratividade da rede
globo com a produção de conteúdo gratuito pelos seus milhões telespectadores.
Em
2008, o jornalista Jeff Howe cunhou o termo crowdsourcing, que em
português, significa contribuição colaborativa ou colaboração coletiva:
expressão em língua inglesa, composta de crowd (multidão) e outsourcing
(terceirização). O termo foi cunhado em 2005 e é definido pelo Dicionário
Merriam Webster como o processo de obtenção de serviços, ideias ou conteúdo
mediante a solicitação de contribuições de um grande grupo de pessoas e,
especialmente, de uma comunidade on-line, em vez de usar fornecedores
tradicionais ou uma equipe de empregados.
Por
definição, o crowdsourcing combina os esforços de voluntários identificados ou
de trabalhadores em tempo parcial, num ambiente onde cada colaborador, por sua
própria iniciativa, adiciona uma pequena parte para gerar um resultado maior. O
“crowdsourcing” distingue-se de terceirização pelo fato de o trabalho ser feito
por um público indefinido, em vez de ser encomendado ou atribuído a um grupo
especificamente designado para realizá-lo.
Segundo
a Doutora Ludmila Costek Abílio,
doutora em Ciencias Sociais pela UNICAMP e
professora da PUC-Campinas,
em artigo publicado por PassaPalavras,
19-02-2017 Trata-se de um recurso que já era usado off-line, antes da era
digital. O crowdsourcing só
é possível se o trabalhador for o trabalhador amador. O que vamos nos deparando é com uma perda apropriada de forma lucrativa do lastro do trabalho. A multidão de
trabalhadores realiza trabalho sem a forma socialmente estabelecida do
trabalho, em atividades que podem transitar entre o lazer, a criatividade, o
consumo e também o complemento de renda. Trata-se de uma ausência da forma
concreta do trabalho, o que significa a plena flexibilidade e maleabilidade de
uma atividade que, entretanto, se realiza como trabalho.
Ainda
segundo a Doutora Ludmila Costek Abílio, a flexibilização do trabalho, o neoliberalismo e a
globalização, por essa perspectiva, têm de ser compreendidos com chave neste processo
onde os direitos sociais se tornam custos sociais. As mediações publicamente
constituídas na relação capital-trabalho são postas em xeque, a tendência a
tornar o trabalhador um trabalhador empreendedor just-in-time.
O neoliberalismo mercantilizou as
relações conjugais, de amizade e parentesco, e neste jogo neoliberal, como nos
filmes americanos, quem não for esperto e cruel morre. Estes valores
impregnaram também nas mentes e nos corações também na classe trabalhadora, todavia
neste caso, a sutileza da proposta aliada ao pecado capital da soberba que nos
exalta o ego, orgulhosamente nos oferecemos ao prazer de ter o trabalho explorado
pela toda poderosa.
Fonte: A “uberização” e as
encruzilhadas do mundo do trabalho. Revista
do instituto humanista Unisinos nº 503 – 24/04/2107